quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

HOJE É TEMPO DE SER FELIZ!

A vida é fruto da decisão de cada momento. Talvez seja por isso, que a idéia de plantio seja tão reveladora sobre a arte de viver.

Viver é plantar. É atitude de constante semeadura, de deixar cair na terra de nossa existencia as mais diversas formas de sementes.

Cada escolha, por menor que seja, é uma forma de semente que lançamos sobre o canteiro que somos. Um dia, tudo o que agora silenciosamente plantamos, ou deixamos plantar em nós,será plantação que poderá ser vista de longe...

Para cada dia, o seu empenho. A sabedoria bíblica nos confirma isso, quando nos diz que "debaixo do céu há um tempo para cada coisa!"

Hoje, neste tempo que é seu, o futuro está sendo plantado. As escolhas que você procura, os amigos que você cultiva, as leituras que você faz, os valores que você abraça, os amores que você ama, tudo será determinante para a colheita futura.

Felicidade talvez seja isso: alegria de recolher da terra que somos, frutos que sejam agradáveis aos olhos!

Infelicidade, talvez seja o contrário.

O que não podemos perder de vista é que a vida não é real fora do cultivo. Sempre é tempo de lançar sementes... Sempre é tempo de recolher frutos. Tudo ao mesmo tempo. Sementes de ontem, frutos de hoje, Sementes de hoje, frutos de amanhã!

Por isso, não perca de vista o que você anda escolhendo para deixar cair na sua terra. Cuidado com os semeadores que não lhe amam. Eles têm o poder de estragar o resultado de muitas coisas.

Cuidado com os semeadores que você não conhece. Há muita maldade escondida em sorrisos sedutores...

Cuidado com aqueles que deixam cair qualquer coisa sobre você, afinal, você merece muito mais que qualquer coisa.

Cuidado com os amores passageiros... eles costumam deixar marcas dolorosas que não passam...

Cuidado com os invasores do seu corpo... eles não costumam voltar para ajudar a consertar a desordem...

Cuidado com os olhares de quem não sabe lhe amar... eles costumam lhe fazer esquecer que você vale à pena...

Cuidado com as palavras mentirosas que esparramam por aí... elas costumam estragar o nosso referencial da verdade...

Cuidado com as vozes que insistem em lhe recordar os seus defeitos... elas costumam prejudicar a sua visão sobre si mesmo.

Não tenha medo de se olhar no espelho. É nessa cara safada que você tem, que Deus resolveu expressar mais uma vez, o amor que Ele tem pelo mundo.

Não desanime de você, ainda que a colheita de hoje não seja muito feliz.

Não coloque um ponto final nas suas esperanças. Ainda há muito o que fazer, ainda há muito o que plantar, e o que amar nessa vida.

Ao invés de ficar parado no que você fez de errado, olhe para frente, e veja o que ainda pode ser feito...

A vida ainda não terminou. E já dizia o poeta "que os sonhos não envelhecem..."

Vai em frente. Sorriso no rosto e firmeza nas decisões.

Deus resolveu reformar o mundo, e escolheu o seu coração para iniciar a reforma.

Isso prova que Ele ainda acredita em você. E se Ele ainda acredita, quem sou eu pra duvidar... (?)
Padre Fábio de Melo
Padre Fábio de Melo
Padre Fábio de Melo é um sacerdote católico, cantor, compositor, apresentador, poeta, escritor, professor, ligado a Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus.


A maior prisão que podemos ter na vida é aquela quando a gente descobre que estamos sendo não aquilo que somos, mas o que o outro gostaria que fôssemos.
Geralmente quando a gente começa a viver muito em torno do que o outro gostaria que a gente fosse, é que a gente tá muito mais preocupado com o que o outro acha sobre nós, do que necessariamente nós sabemos sobre nós mesmos.
O que me seduz em Jesus é quando eu descubro que nEle havia uma capacidade imensa de olhar dentro dos olhos e fazer que aquele que era olhado reconhecer-se plenamente e olhar-se com sinceridade.
Durante muito tempo eu fiquei preocupado com o que os outros achavam ao meu respeito. Mas hoje, o que os outros acham de mim muito pouco me importa [a não ser que sejam pessoas que me amam], porque a minha salvação não depende do que os outros acham de mim, mas do que Deus sabe ao meu respeito.
Padre Fábio de Melo

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Literatura de Cordel

Literatura de Cordel é o nome dado às histórias do romanceiro popular do sertão Nordeste do Brasil (em especial Pernambuco, Paraíba e Ceará). A origem do nome "Literatura de Cordel" está em folhetos de impressão precária e expostos à venda pendurados em varais de barbante. O nome vem de Portugal, onde esse tipo de folheto de literatura popular também era produzido. Também eram encontrados em países como Espanha, França, Itália e Alemanha.

Esse tipo de folheto surgiu na Idade Média, por volta dos séculos 11 e 12. Com a invenção da imprensa (1450), essa literatura que até então era oral e recitada por jograis e menestréis ambulantes, passou a ser vendida em folhetos de papel ordinário e preço barato. Surgia, assim, a literatura de folhetos.


Literatura de Cordel no Brasil
A literatura de cordel chegou ao Brasil com nossos colonizadores, instalando-se na Bahia e nos demais estados do Nordeste, onde encontrou um terreno fértil. Por volta de 1750, apareceram os primeiros poetas populares que narravam sagas em versos, visto que a maioria desse povo, sequer sabia ler e as histórias eram decoradas e recitadas nas feiras ou nas praças. Às vezes, acompanhadas por música de violas. Portanto, surgiu também no Brasil, como literatura oral, característica fundamental da cultura popular.

Enfim, foram esses cantadores do improviso, itinerantes, os precursores da literatura de cordel escrita. E verdadeiros repórteres, pois eram eles quem divulgavam as notícias nos lugares mais longínquos, especialmente, os acontecimentos históricos do Brasil, narrados em verso. O fenômeno só despertou o interesse dos estudiosos letrados em fins do século 19, começo do século 20. O poeta paraibano Leandro Gomes de Barros é considerado por esses pesquisadores, o primeiro a imprimir e vender seus versos, por volta de 1890.


Temas da Literatura de Cordel
Na riquíssima literatura de cordel nordestina há uma grande variedade de temas, tradicionais ou contemporâneos, que refletem a vivência popular, desde os problemas atuais até a conservação de narrativas inspiradas no imaginário ibérico (incluída aí a tradição que remonta a invasão da Península pelos mouros). Assim, não é difícil compreender histórias de cavaleiros medievais, nem um folheto como o "Romance do Pavão Misterioso", onde encontramos nítidas influências das celébres "Mil e Uma Noites".

Mas não há limite na escolha dos temas para a criação de um folheto, que tanto pode narrar os feitos de cangaceiros, as espertezas de heróis como João Grilo e Pedro Malasartes ou uma história de amor, ou ainda acontecimentos importantes de interesse público, como o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. Também são comuns os temas sobrenaturais, como a chegada de Lampião no Inferno ou a realização de profecias de Antônio Conselheiro. Com o advento dos meios de comunicação de massa, os astros da TV também passaram a aparecer como personagens de cordel.


Meios de comunicação de massa
Por outro lado, rádio e TV, com sua ação padronizadora, foram levando para o sertão os elementos mais característicos da cultura urbana e concorrendo com a literatura de cordel. Porém, se os folhetos hoje não fazem o mesmo sucesso que fizeram em outras épocas, eles ainda não desapareceram e são encontrados também nas comunidades nordestinas que habitam as grandes cidades brasileiras, como Rio e São Paulo.


Métrica e rima
Os folhetos de cordel brasileiros (também chamados "folhetos de feira"), com textos poeticamente estruturados, têm a sextilha (conjunto de seis versos) como estrofe básica, mas há também as septilhas, oitavas e as décimas (respectivamente sete, oito e dez versos, este último também chamado "martelo").

A métrica dos versos é em geral a redondilha maior, ou seja, os versos de sete sílabas, mas sem o rigor que vigora na poesia erudita. Finalmente, têm rimas e vocabulário simples, mas nem por isso perdem - antes ganham - em valor estético. Os folhetos são ilustrados principalmente com xilogravuras, ou seja, gravuras rústicas feitas a partir de entalhes em chapas de madeira. Um exemplo é a capa do "Romance do Pavão Misterioso" que ilustra este artigo.

Por fim, convém lembrar que há produções semelhantes em alguns países da América hispânica, como Argentina, Nicarágua, México, Colômbia, Chile e Venezuela. Todavia, nossos vizinhos denominam sua produção poética de el corrido, e são sempre cantadas.


Fonte: educacao.uol.com.br

Sobre Edgar Alan poe:




Segundo filho de David Poe e Elizabeth Arnold, ambos atores, Edgar Poe ficou órfão ainda criança e foi adotado por um casal rico de Richmond, Virgínia, Jonh Allan e Frances Kelling Allan. Isso lhe permitiu ter uma educação de qualidade, bem como fazer uma longa viagem pela Inglaterra, Escócia e Irlanda com os pais adotivos.

Regressou aos Estados Unidos em 1822 e continuou seus estudos sob a orientação dos melhores professores dessa época. Dois anos depois, entrou para a Universidade de Charlotesville, distinguindo-se tanto pela inteligência quanto pelo temperamento inquieto, que o levou a ser expulso da escola.

A seguir, verificou-se um período ainda pouco esclarecido na vida de Poe, no qual se registram viagens fora dos Estados Unidos. Retornou a seu país em 1829 e manifestou desejo de seguir a carreira militar. Foi admitido na célebre Academia de West Point, mas acabou expulso poucos meses depois por indisciplina.

Com a morte da mãe adotiva, John Allan voltou a casar-se, com uma mulher muito jovem que lhe deu dois filhos. Isso impediu que Poe se tornasse herdeiro da fortuna paterna e ele se afastou da casa do pai adotivo, deixando Richmond. Após um período de relativa dificuldade, conheceu uma certa prosperidade ao vencer simultaneamente os concursos de conto e poesia promovidos pela revista "Southern Literary Messager".

O fundador da publicação, Thomas White, convidou-o a dirigir a revista que rapidamente se impôs ao público. Durante dois anos, Poe esteve a frente do periódico, onde pôde exibir seu talento, que se manifestava num estilo novo, no conto e na poesia, bem como pelos artigos de crítica literária que revelavam seu rigor e sensibilidade estética.

Escritor bem-sucedido, Poe casou-se com Virginia Clemm. Entretanto, ao fim de dois anos, White cortou relações com o escritor, que já desenvolvera a doença do alcoolismo. Poe passou a produzir como "free-lancer", em grande quantidade, mas sem ganhar o suficiente para manter uma vida digna e saudável, o que o levou a afundar-se ainda mais na bebida.

A morte de sua mulher agravou o problema. O escritor passou a suicidar-se aos poucos, bebendo cada vez mais e já sofrendo os primeiros ataques de delirium tremens. Numa viagem a Nova York, para tratar de negócios, parou em Baltimore e hospedou-se numa taberna onde se distraiu durante horas bebendo com amigos. Era a noite de 6 de outubro de 1849. O escritor morreu na madrugada do dia 7, aos 40 anos.

Hoje Poe é um escritor estudado e cultuado em todo o Ocidente. Entre suas obras destacam-se: The Raven (O Corvo, poesia, 1845), Annabel Lee (poesia, 1849) e o volume Histórias Extraordinárias (1837), onde aparecem seus contos mais conhecidos, como "A Queda da Casa dos Usher", "O Gato Preto", "O Barril de Amontillado", "Manuscrito encontrado numa Garrafa", entre outros, considerados obras-primas do terror.


Fonte: http://educacao.uol.com.br/biografias/

CORAÇÃO DENUNCIADOR

Edgar Alan Poe

É verdade tenho sido nervoso, muito nervoso, terrivelmente nervoso! Mas por que ireis dizer que sou louco? A enfermidade me aguçou os sentidos, não os destruiu, não os entorpeceu. Era penetrante, acima de tudo, o sentido da audição. Eu ouvia todas as coisas, no céu e na terra. Muitas coisas do inferno eu ouvia. Como, então, sou louco? Prestai atenção! E observai quão lucidamente, quão calmamente posso contar toda a história.

É impossível dizer como a idéia me penetrou primeiro no cérebro, uma vez concebida, porém, ela perseguiu dia e noite. Não havia motivo. Não havia cólera. Eu gostava do velho. Ele nunca fizera mal. Nunca me insultara. Eu não desejava seu ouro. Penso que era o olhar dele! Sim, era isso! Um de seus olhos parecia com o de um abutre... um olho de cor azul pálida, que sofria de catarata . Meu sangue se enregelava sempre que ele caía sobre mim; e assim, pouco a pouco, bem lentamente , fui-me decidindo a tirar a vida do velho e assim libertar-me daquele olho para sempre.

Ora, aí é que estava o problema. Imaginais que sou louco. Os loucos nada sabem. Deveríeis, porém, ter-me visto. Deveríeis ter visto como procedi cautelosamente, com que prudência, com que previsão, com que dissimulação, lancei mão à obra!

Eu nunca fora mais bondoso para com o velho do que durante a semana inteira, antes de matá-lo. todas as noites, por volta da meia-noite, eu girava o trinco da porta de seu quarto e abria-a... oh! Bem devagarinho! E depois, quando a abertura era suficientemente para conter minha cabeça, eu introduzia uma lanterna com tampa, toda velada, bem velada, de modo que nenhuma luz se projetasse para fora, e em seguida enfiava a cabeça. Oh! Teríeis rido ao ver como enfiava habilmente! Movia-a lentamente, muito, muito lentamente, a fim de não perturbar o sono do velho. Levava uma hora para colocar a cabeça inteira além da abertura, até podê-lo ver deitado na cama. Ah! Um louco seria precavido assim? E depois, quando minha cabeça estava bem dentro do quarto, eu abria a tampa da lanterna cautelosamente... oh! Bem cautelosamente!... cautelosamente... por que a dobradiça rangia... abria-a só até permitir que apenas um débil raio de luz caísse no olho de abutre. E isto eu fiz durante sete longas noites... sempre precisamente à meia-noite... e sempre encontrei o olho fechado. Assim, era impossível fazer minha tarefa, porque não era o velho que me perturbava, mas seu olho diabólico. E todas as manhãs, sem temor, chamando-o pelo nome com ternura e perguntando como havia passado a noite. Por aí vedes que ele precisaria ser um velho muito perspicaz para suspeitar que todas as noites, justamente às doze horas, eu o espreitava, enquanto dormia.

Na oitava noite, fui mais cauteloso do que de hábito, ao abrir a porta. O ponteiro dos minutos de um relógio mover-se-ia mais rapidamente do que meus dedos. Jamais, antes daquela noite, sentira eu tanto a extensão de meus próprios poderes, de minha sagacidade. Mal conseguia conter meus sentimentos de triunfo. Pensar que ali estava eu, a abrir a porta, pouco a pouco, e que ele nem sequer sonhava com meus atos ou pensamentos secretos... Ri com gosto, entre dentes, e essa idéia; e talvez ele me tivesse ouvido, porque se moveu de súbito na cama, como se assustado. Pensava talvez que recuei? Não! O quarto dele estava escuro como piche, espesso de sombra, pois os postigos se achavam hermeticamente fechado, por medo aos ladrões. E eu sabia, assim, que ele não podia ver a abertura da porta; continuei a avançar, cada vez mais, cada vez mais.

Já estava com a cabeça dentro do quarto e a ponto de abrir a lanterna, quando meu polegar deslizou sobre o fecho da porta e o velho saltou na cama gritando: "Quem está aí?"
Fiquei completamente silencioso e nada disse. Durante uma hora inteira não movi um músculo e, por todo esse tempo, não o ouvi deitar-se de novo: ele ainda estava sentado na cama, à escura; justamente com eu fizera, noite após noite, ouvindo a ronda da morte próxima.

Depois, ouvi um leve gemido e notei que era um gemido de terror mortal. Não era um gemido de dor ou pesar, oh não! Era o som grave e sufocado. Bem conhecia esse som. Muitas noites, ao soar a meia-noite, quando o mundo inteiro dormia, ele irrompia de meu próprio peito, aguçando, com o seu eco espantoso, os terrores que me aturdiam. Disse que bem o conhecia. Conheci também o eu o velho sentia e tive pena dele, embora abafasse o riso no coração. Eu sabia que ele ficara acordado, desde o primeiro leve rumor, quando se voltar na cama. Daí por diante, seus temores foram crescendo. Tentara imaginá-los sem motivo mas não fora possível. Dissera a si mesmo; "É só o vento na chaminé", ou "é só um rato andando pelo chão", ou "foi apenas um grilo que cantou um instante só": sim, ele estivera tentando animar-se com essas suposições, mas tudo fora em vão. Tudo em vão, porque a Morte, ao aproximar-se dele, projetava sua sombra negra para frente, envolvendo nela a vítima. E era a influência tétrica dessa sombra não percebia que o levava a sentir - embora não visse, nem ouvisse - a sentir a presença de minha cabeça dentro do quarto.

Depois de esperar longo tempo, com muita paciência, sem ouvi-lo deitar-se, resolvi abrir um pouco, muito, muito pouco, a tampa da lanterna. Abri-a, podeis imaginar o quão furtivamente; até que, por fim, um raio de luz apenas, tênue como o fio de uma teia de aranha, passou pela fenda e caiu sobre o olho de abutre.

Ele estava aberto; todo, plenamente aberto. E, ao contemplá-lo, minha fúria cresceu. Vi-o, com perfeita clareza; todo de um azul desbotado, com uma horrível película a cobri-lo, o que me enregelava até a medula dos ossos. Mas não podia ver nada mais da face, ou do corpo do velho, pois dirigira a luz como por instinto, sobre o maldito lugar.

Ora, não vos disse que apenas é superacuidade dos sentidos aquilo que erradamente julgais loucura? Repito, pois, que chegou a meus ouvidos em som baixo, monótono, rápido, como o de um relógio, quando abafado com algodão. Igualmente eu bem sabia que som era. Era o bater do coração do velho. Ele me aumentava a fúria, como o bater um tambor estimula a coragem do soldado.

Ainda aí, porém, refreei-me e fiquei quieto. Tentei manter tão fixamente quanto pude a réstia de luz sobre o olho do velho. Entretanto, o infernal tam-tam do coração aumentava. A cada instante ficava mais alto, mais rápido! Cada vez mais alto, repito, a cada momento! Prestai-me bem atenção? Disse-vos que sou nervoso: sou. E então, àquela hora morta da noite, tão estranho ruído excitou em mim um terror incontrolável. Contudo, por alguns minutos mais, dominei-me e fiquei quieto. Mas o bater era cada vez mais alto. Julguei que o coração ia rebentar. E, depois, nova angústia me aferrou: o rumor poderia ser ouvido por um vizinho! A hora do velho tinha chegado! Com um alto berro, escancarei a lanterna e pulei para dentro do quarto. Ele guinchou mais uma vez... uma vez só. Num instante arrastei-o para o soalho e virei a pesada cama sobre ele. Então sorri alegremente por ver a façanha realizada. Mas, durante muitos minutos, o coração continuou a bater, com som surdo. Isto, porém, não me vexava. Não seria ouvido através da parede. Afinal cessou. O velho estava morto. Removi a cama e examinei o cadáver. Sim, era um pedra, uma pedra morta. Coloquei minha mão sobre o coração e ali a mantive durante muitos minutos. Não havia pulsação. Estava petrificado. Seu olho não me perturbaria.

Se ainda pensais que sou louco, não mais pensareis, quando eu descrever as sábias precauções que tomei para ocultar o cadáver. A noite avançava e eu trabalhava apressadamente, porém em silêncio. Em primeiro lugar, esquartejei o corpo. Cortei-lhe a cabeça, os braços e as pernas.

Arranquei depois três pranchas do soalho e coloquei tudo entre os vãos. Depois recoloquei as tábuas, com tamanha habilidade e perfeição, que nenhum olhar humano, nem mesmo o dele, poderia distinguir qualquer coisa suspeita. Nada havia a lavar, nem mancha de espécie alguma, nem marca de sangue. Fora demasiado prudente no evitá-las. Uma tina tinha recolhido tudo... ah! Ah! Ah! Terminadas todas essas tarefas, eram quatro horas. Mas ainda estava escuro, como se fosse meia-noite. Quando o sino soou a hora, bateram a porta da rua. Desci para abri-la, de coração ligeiro,... pois que tinha eu agora a temer? Entraram três homens que se apresentaram , com perfeita mansidão, com soldados de polícia. Fora ouvido um grito por um vizinho, durante a noite. Despertara-se a suspeita de um crime. Tinha-se formulado uma denúncia à polícia e eles, soldados , tinham sido mandados para investigar.
Sorri... pois que tinha eu a temer? Dei as boas vindas aos cavalheiros. O grito, disse eu, fora meu mesmo, em sonhos. O velho, relatei, estava ausente, no interior. Levei meus visitantes a percorrer toda a casa. Pedi que dessem busca... completa. Conduzi-os, afinal, ao quarto dele. Mostrei-lhe suas riquezas, em segurança inatas. No entusiasmo de minha confiança, trouxe cadeiras para o quarto e mostrei desejos de que eles ficassem ali, para descansar de suas fadigas, enquanto eu mesmo, na desenfreada audácia do meu perfeito triunfo, colocava minha própria cadeira , precisamente sobre o lugar onde repousava o cadáver da vítima.
Os soldados ficaram satisfeitos. Minhas maneiras os haviam convencido. Sentia-me singularmente à vontade. Sentaram-se e, enquanto eu respondia cordialmente, conversavam coisas familiares. Mas, dentro em pouco, senti que ia empalidecendo e desejei que eles se retirassem. Minha cabeça me doía e parecia-me ouvir zumbidos nos ouvidos; eles, porém, continuavam sentados e continuavam a conversar. O zumbido tornou-se mais distinto. Continuou e tornou-se ainda mais distinto: eu falava com mais desenfreio, para dominar a sensação: ela, porém, continuava a aumentava sua perceptibilidade, até que, afinal, descobri que o barulho não era dentro dos meus ouvidos.

É claro que então minha palidez aumentou sobreposse. Mas eu falava ainda mais fluentemente e num tom de voz muito elevada. Não obstante, o som se avolumava... E que podia fazer? Era um som grave, monótono, rápido... muito semelhante ao de um relógio envolto em algodão. Respirava com dificuldade... E no entanto, os soldados não o ouviram. Falei mais depressa ainda, com mais veemência. Mas o som aumentava constantemente. Levantei-me e fiz perguntas a respeito de ninharias, num tom bastante elevado, e com violenta gesticulação, mas o som constantemente aumentava. Por que não se iam embora? Andava pelo quarto acima e abaixo, com largas e pesadas passadas, como se excitado até a fúria pela vigilância dos homens... mas o som aumentava constante. Oh! Deus! Que poderia eu fazer? Espumei... enraiveci-me... praguejei! Fiz girar a cadeira, sobre a qual estivera sentado, e arrastei-a sobre as tábuas, mas o barulho se elevava acima de tudo e continuamente aumentava. Tornou-se então mais alto... mais alto... mais alto! E os homens continuavam ainda a passear, satisfeitos e sorriam. Seria possível que eles não ouvissem? Deus Todo Poderoso!... não, não! Eles suspeitavam!.. Eles sabiam!... Estavam zombando do meu horror!... Isto pensava eu e ainda penso. Outra coisa qualquer, porém, era melhor que essa agonia! Qualquer coisa era mais tolerável que essa irrisão! Não podia suportar por mais tempo aqueles sorrisos hipócritas! Sentia que devia gritar ou morrer!... E agora... de novo! Escutai! Mais alto! Mais alto! Mais alto! Mais alto! Mais alto...

Visões! - trovejei - Não finjam mais! Confesso o crime!... Arranquem as pranchas!.. aqui, aqui! ... ouçam o bater do seu horrendo coração!

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Crônica lírica: Tombos

Pensando em como a vida faz cair por terra nossos conceitos, esmaecendo nossas convicções, mostrando-nos o quanto são icertas as nossas certezas, chego a acreditar , por um minuto, que nada vale a pena.
acreditamos em pessoas que zombam de nossa confiança, que apesar de exigirem-na, não coperam para merecê-la.
Ferem-nos com a lâmina da indiferença, e não aceitam que nos queixemos dessas feridas, que muitas vezes são reabertas antes mesmo de serem cicatrizadas .
Se alguem me dissesse, a alguns anos atrás, que é melhor sozinho do que mal acompanhado, eu certamente discordaria, afirmando não haver companhia pior que a solidão.
Mas hoje vejo que existe.
Andando sem rumo, como quem caminha na escuridão. as vezes me sinto sem norte.
Depois decubro que estou sendo ingrata com a vida, e que, se não consegui enxergar um horizonte, é porque estava de olhos vendados.

Luciana

Crônica Narrativa: A aliança

Luíz Fernando Veríssimo

Esta é uma história exemplar, só não está muito claro qual é o exemplo. De qualquer jeito, mantenha-a longe das crianças. Também não tem nada a ver com a crise brasileira, o apartheid, a situação na América Central ou no Oriente Médio ou a grande aventura do homem sobre a Terra. Situa-se no terreno mais baixo das pequenas aflições da classe média. Enfim. Aconteceu com um amigo meu. Fictício, claro.

Ele estava voltando para casa como fazia, com fidelidade rotineira, todos os dias à mesma hora. Um homem dos seus 40 anos, naquela idade em que já sabe que nunca será o dono de um cassino em Samarkand, com diamantes nos dentes, mas ainda pode esperar algumas surpresas da vida, como ganhar na loto ou furar-lhe um pneu. Furou-lhe um pneu. Com dificuldade ele encostou o carro no meio-fio e preparou-se para a batalha contra o macaco, não um dos grandes macacos que o desafiavam no jângal dos seus sonhos de infância, mas o macaco do seu carro tamanho médio, que provavelmente não funcionaria, resignação e reticências... Conseguiu fazer o macaco funcionar, ergueu o carro, trocou o pneu e já estava fechando o porta-malas quando a sua aliança escorregou pelo dedo sujo de óleo e caiu no chão. Ele deu um passo para pegar a aliança do asfalto, mas sem querer a chutou. A aliança bateu na roda de um carro que passava e voou para um bueiro. Onde desapareceu diante dos seus olhos, nos quais ele custou a acreditar. Limpou as mãos o melhor que pôde, entrou no carro e seguiu para casa. Começou a pensar no que diria para a mulher. Imaginou a cena. Ele entrando em casa e respondendo às perguntas da mulher antes de ela fazê-las.

— Você não sabe o que me aconteceu!

— O quê?

— Uma coisa incrível.

— O quê?

— Contando ninguém acredita.

— Conta!

— Você não nota nada de diferente em mim? Não está faltando nada?

— Não.

— Olhe.

E ele mostraria o dedo da aliança, sem a aliança.

— O que aconteceu?

E ele contaria. Tudo, exatamente como acontecera. O macaco. O óleo. A aliança no asfalto. O chute involuntário. E a aliança voando para o bueiro e desaparecendo.

— Que coisa - diria a mulher, calmamente.

— Não é difícil de acreditar?

— Não. É perfeitamente possível.

— Pois é. Eu...

— SEU CRETINO!

— Meu bem...

— Está me achando com cara de boba? De palhaça? Eu sei o que aconteceu com essa aliança. Você tirou do dedo para namorar. É ou não é? Para fazer um programa. Chega em casa a esta hora e ainda tem a cara-de-pau de inventar uma história em que só um imbecil acreditaria.

— Mas, meu bem...

— Eu sei onde está essa aliança. Perdida no tapete felpudo de algum motel. Dentro do ralo de alguma banheira redonda. Seu sem-vergonha!

E ela sairia de casa, com as crianças, sem querer ouvir explicações. Ele chegou em casa sem dizer nada. Por que o atraso? Muito trânsito. Por que essa cara? Nada, nada. E, finalmente:

— Que fim levou a sua aliança? E ele disse:

— Tirei para namorar. Para fazer um programa. E perdi no motel. Pronto. Não tenho desculpas. Se você quiser encerrar nosso casamento agora, eu compreenderei.

Ela fez cara de choro. Depois correu para o quarto e bateu com a porta. Dez minutos depois reapareceu. Disse que aquilo significava uma crise no casamento deles, mas que eles, com bom-senso, a venceriam.

— O mais importante é que você não mentiu pra mim.

E foi tratar do jantar.


Texto extraído do livro "As mentiras que os homens contam", Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2000, pág. 37.

Crônica Lírica: Despedida

Rubem Braga


E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão.

É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.
Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.
E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?
Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil. Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações?
Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus. A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Crônica Comentário : A mãe e o pêssego

“O pai reuniu a mulher, os dois filhos e comunicou:
"Perdi o emprego. A partir de amanhã, nossa vida será diferente. Para manter o essencial, teremos de cortar o supérfluo".
O filho mais moço perguntou o que era "supérfluo". O pai deu um exemplo: "Você gosta de pêssegos. Pois cortaremos os pêssegos. Sobremesa, agora, é goibada e pronto!"
O garoto ficou pensando que todos os dias comeria goiabada, e ele não gostava de goiabada. Para azar dele, era tempo dos pêssegos, aveludados, doces como mel.
Passou a primeira semana sem sobremesa. Preferia morrer a comer a goiabada que parecia eterna: quando acabava uma, logo aparecia outra. Até que um dia a mãe voltou da feira com o carrinho quase vazio. Mesmo assim, em lugar de destaque, por cima de todas as compras, lá estava a lata de goibada. O menino teve um engulho.
Mas, logo que o pai saiu para procurar emprego, a mãe chamou o guri. Para não despertar suspeita no filho mais velho, falou com autoridade: "Venha cá!". O menino pensou que fizera alguma coisa errada e que ia levar uma bronca. A mãe levou-o para o banheiro e fechou a porta.
Mostrou um enorme pêssego, vermelho e amarelo, a penugem aveludada, doce como o mel: "Olha o que eu trouxe para você!". O menino nem gostou do pêssego. Preferiu gostar mais daquela mãe.”

Carlos Heitor Cony

O atraso

Aquele dia não começou nada bem. Bernardo errou a hora, ía chegar atrasado no trabalho e com certeza levar outra bronca do diretor. Aliás, que sujeitinho chato! Sempre muito ranzinza, vivia pegando no seu pé , não o deixava colocar em prática nehum dos seus projetos-Que por sinal eram muito bons-Criticava tudo que ele fazia. A princípio Bernardo não se importava, pensava que essas críticas poderiam ajudá-lo a crescer; Mas depois de um tempo parecia até marcação, algo pessoal mesmo . Hoje então que ele havia se atrasado um pouco podia se preparar para aguentar o mal humor do sr Afonso.

Bernardo pegou sua moto e saiu em disparada para ver se conseguia chegar a tempo. Antes não tivesse feito:Um cachorrinho atatravessou bem na sua frente e acabou sendo atropelado.

Preocupado, Bernardo desceu da moto, pra ver o estado do pobre animal. Ao tocar nele ouviu uma voz gritando desesperada:

- Tire a mão do meu cachorro seu estúpido, não basta o que você fez.

a moça estava furiosa e, chorando dava socos no braço dele que pedia que ela se acalmasse.

Ao avaliar o cachorro ele constatou aliviado que não era nada grave. Pediu uma faixa emprestada e imobilizou a pata que havia sido quebrada.

Depois de pedir mil desculpas pelo acidente, e garantir que ele ía ficar bem a moça parou de chorar. Pegou cuidadosamente seu cahorrro e levou-o pra casa.
Ao chegar na escola, Bernardo encontrou o diretor, parado feito uma estaca, em frente ao portão.
O homem olhou indiscretamente para o relógio de pulso, demonstrando sua irritação pelo atraso do professor, que tentou se inultilmente se explicar, sendo interrompido antes mesmo de terminar a primeira frase.
Esse diretor era mesmo muito chato. Muita falta de educação da parte dele , essa mania de ficar interrompendo as pessoas quando elas estavam falando. Bernardo nunca suportou pessoas que têm esse hábito:
Ele considerava pessoas assim, extremamente egoístas, já que acham que só elas podem falar,que só o que elas dizem é que tem importancia
-Pessoas asim não são nem um pouco humildes. -Ele pensava-Quando uma pessoa interrompe a outra, é como se ela dissesse: Cale a boca que eu tô me lixando pro que você tá dizendo.
Mas isso não vem ao caso agora, o importante mesmo é saber. o que o velho ranzinza vai fazer com nosso lindo professor.




segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Cansa sentir quando se pensa

Cansa sentir quando se pensa.
No ar da noite a madrugar
Há uma solidão imensa
Que tem por corpo o frio do ar.

Neste momento insone e triste
Em que não sei quem hei de ser,
Pesa-me o informe real que existe
Na noite antes de amanhecer.

Tudo isto me parece tudo.
E é uma noite a ter um fim
Um negro astral silêncio surdo
E não poder viver assim.

(Tudo isto me parece tudo.
Mas noite, frio, negror sem fim,
Mundo mudo, silêncio mudo -
Ah, nada é isto, nada é assim
!)

Fernando Pessoa
A vida é como jogar uma bola na parede:
Se for jogada uma bola azul, ela voltará azul;
Se for jogada uma bola verde, ela voltará verde;
Se a bola for jogada fraca, ela voltará fraca;
Se a bola for jogada com força, ela voltará com força.
Por isso, nunca "jogue uma bola na vida" de forma
que você não esteja pronto a recebê-la.
A vida não dá nem empresta;
não se comove nem se apieda.
Tudo quanto ela faz é retribuir e transferir
aquilo que nós lhe oferecemos.

Albert Einsten

O Homem e A Mulher

O homem é a mais elevada das criaturas;
A mulher é o mais sublime dos ideais.
O homem é o cérebro;
A mulher é o coração.
O cérebro fabrica a luz;
O coração, o AMOR.
A luz fecunda, o amor ressuscita.
O homem é forte pela razão;
A mulher é invencível pelas lágrimas.
A razão convence, as lágrimas comovem.
O homem é capaz de todos os heroísmos;
A mulher, de todos os martírios.
O heroísmo enobrece, o martírio sublima.
O homem é um código;
A mulher é um evangelho.
O código corrige; o evangelho aperfeiçoa.
O homem é um templo; a mulher é o sacrário.
Ante o templo nos descobrimos;
Ante o sacrário nos ajoelhamos.
O homem pensa; a mulher sonha.
Pensar é ter , no crânio, uma larva;
Sonhar é ter , na fronte, uma auréola.
O homem é um oceano; a mulher é um lago.
O oceano tem a pérola que adorna;
O lago, a poesia que deslumbra.
O homem é a águia que voa;
A mulher é o rouxinol que canta.
Voar é dominar o espaço;
Cantar é conquistar a alma.
Enfim, o homem está colocado onde termina a terra;
A mulher, onde começa o céu.

Victor Hugo

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Música: Marcas do Eterno

Pe. Fábio de Melo


Antes de você entrar na minha vida
De se decidir por mim
Por minha história
Haverá de ter clareza de saber bem
Quem eu sou
Pra depois não me dizer
Ter se enganado

Eu não posso ser o que você quiser
Sou bem mais do que os seus olhos
Podem ver
Se quiser seguir comigo
Eu lhe estendo a mão
Mas não pode um só momento
Se esquecer

Sou consagrado ao meu Senhor
Solo sagrado eu sei que sou
Vida que o céu sacramentou
Marcas do eterno estão em mim

Antes do seu amor chegar
Um outro amor já me encontrou
E me envolveu com tanta luz
Que já não posso me esquecer

Se mesmo assim quiser ficar
Seja bem vindo ao meu lugar
À este coração que resolveu
Plantar-se inteiro em Deus
E hoje não quer mais se aprisionar

Eu lhe peço que me ajude
A ser mais santo
Que por vezes me esqueça no meu canto
É que a minha santidade
Necessita solidão
Só assim minha presença
É mais saudável

Não me peça o que de mim
Pertence a Deus
Nem dê mais do que eu preciso receber
Ser amado em excesso
Faz tão mal quanto não ser
Eu lhe peço que me ajude a ser de Deus

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A luta contra a segregação racial

Lendo uma revista Veja, do ano de 1968, que falava sobre morte Matin Luther King, e sua incánsavel luta pelos direitos civis, encontrei uma matéria relatando como a luta pela desegregação dos espaços públicos nos Estados Unidos se intensificou. Gostei muito, e resolvi postá-la no Eclético:


Boicote ao transporte público segregado de uma cidade do
Alabama foi o ponto de partida para solidificar a liderança de

Martin Luther King na causa dos direitos civis nos EUA.

Aos olhos e ouvidos de todo o mundo, a cena de um oceano de pessoas diante do Memorial Lincoln, na marcha de Washington em 1963, e os vibrantes discursos pela harmonia social e econômica nos Estados Unidos são as mais belas lembranças do que a soul force ("força da alma") de Martin Luther King era capaz de realizar. O maior feito de sua trajetória, contudo, é menos simbólico e muito mais prático. Ao lutar até o fim pelo direito de uma mulher negra se manter sentada em um ônibus de uma pequena cidade no Alabama, sem precisar entregar seu lugar a um passageiro branco, o até então desconhecido pastor batista desafiou o estado e conseguiu uma vitória impensável em um país ainda rachado pela segregação. Foi o primeiro passo de uma histórica jornada pela liberdade, que fez de King o grande líder da comunidade negra e um ícone da batalha ideológica pelos direitos civis ao redor do planeta.


Vitória no tribunal: com a mulher, Coretta, King comemora suspensão de condenação

Em 1º de dezembro de 1955, a costureira Rosa Parks recusou-se a ceder seu assento (na seção reservada aos negros) a um homem branco em um ônibus municipal de Montgomery, no Alabama, conforme determinavam as leis segregacionistas do estado. Informada pelo motorista que acabaria presa caso não repensasse sua decisão, a mulher de 42 anos preferiu ser levada para a cadeia - e, posteriormente, a julgamento. Sua prisão silenciosa fez o Conselho Político Feminino da cidade propor aos negros da cidade um dia de boicote aos ônibus municipais, na exata data em que Rosa Parks deveria comparecer ao tribunal, 5 de novembro. Sua esdrúxula condenação pelo júri levou à formação imediata da Montgomery Improvement Association (MIA), para coordenar as ações seguintes, incluindo a extensão do boicote e o questionamento legal da constitucionalidade da lei de segregação no transporte público. Para não melindrar nenhum ativista local, a presidência da entidade foi entregue a Martin Luther King, que desembarcara havia pouco na cidade como pastor da Igreja Batista da Avenida Dexter. O líder viu a missão como uma oportunidade de melhorar as relações entre as raças e, por tabela, a situação de Montgomery.

Naquela mesma tarde, King discursou para uma multidão reunida diante da Igreja Batista da Rua Holt, já revelando o poder retórico invejável que o faria célebre. "Quero assegurar a todos que trabalharemos com vontade e determinação para fazer prevalecer a justiça nos ônibus da cidade. Não estamos errados. Se estivermos errados, a Suprema Corte desta nação está errada. Se estivermos errados, a Constituição dos Estados Unidos está errada. Se estivermos errados, Deus Todo-Poderoso está errado." Já nesse primeiro encontro, o pastor pediu um compromisso pela não-violência no protesto, traço que marcaria todas as outras manifestações, assim como os valores da ética cristã propagados por King. Poucos dias depois, a MIA tornou pública suas reivindicações: ocupação dos assentos de acordo com a ordem de chegada do passageiro, motoristas negros em rotas predominantemente negras e tratamento cortês pelos funcionários.


O estopim: Rosa Parks é detida em 1956

Conspiração e multa - A prefeitura de Montgomery não atendeu aos apelos da entidade, que decidiu continuar o boicote. Motoristas de táxi negros organizaram-se para ajudar a comunidade, e foram penalizados pela prefeitura; com isso, organizou-se uma extensa rede de caronas que mobilizou mais de 300 carros. No início de 1956, bombas foram atiradas contra as casas de Martin Luther King e E. D. Nixon, outro líder negro local, sem deixar vítimas. Em fevereiro, invocando uma lei de 1921, que proibia a conspiração contra negócios lícitos, a prefeitura indiciou mais de 80 líderes e participantes do boicote. King foi condenado e teve de pagar uma multa de 500 dólares para evitar um ano de encarceramento. Apesar disso, o boicote continuou, e atraiu a atenção nacional. Pacifistas famosos como Bayard Rustin e Glenn Smiley passaram a aproximar-se de King e apoiar o movimento.

Em 5 de junho de 1956, uma corte federal enfim determinou que a segregação nos ônibus era inconstitucional, decisão ratificada em 13 de novembro pela Suprema Corte. Houve intensa comemoração entre a comunidade negra da cidade, mas a MIA decidiu manter o boicote e o sistema de caronas até que a dessegregação realmente fosse implantada no transporte de Montgomery. Um mês depois, em 20 de dezembro, Martin Luther King anunciou o fim do movimento; no dia seguinte, ele, E. D. Nixon, Glenn Smiley e o pastor Ralph Abernathy embarcaram em um ônibus já integrado. No total, foram 381 dias de boicote, com o apoio de mais de 42.000 negros. Rosa Parks, que no meio do processo perdeu seu emprego numa loja de departamentos, tornou-se alvo de hostilidades de segregacionistas e mudou-se para Detroit em 1957, onde segue envolvida com a causa. Atualmente empregada no gabinete do deputado John Conyers, Rosa, conhecida como a "mãe do movimento pelos direitos civis", perde um de seus principais parceiros, que seguiu pelo resto da vida o lema dos manifestantes: "Melhor andar com dignidade que rodar na humilhação."

VEJA, Abril de 1968

O Rei da Nova América

Formação cristã, filosofia européia e ensinamentos de Gandhi
fizeram de King uma bandeira da transformação dos EUA e um
líder universal, para quem não havia causa pequena demais.

Exatamente dois meses antes de sua morte, no dia 4 de fevereiro, no púlpito da Igreja Batista Ebenezer, em Atlanta, Martin Luther King Jr. fez um sermão revelando o que gostaria que fosse dito a seu respeito no próprio funeral. Nele, o pastor pediu que não se mencionasse seu Prêmio Nobel da Paz, recebido em 1964, ou nenhuma das outras 300 ou 400 honrarias que recebeu ao longo de sua trajetória. O líder negro ainda especificou para que não fosse citado em que escola ou faculdade ele se formou. King queria apenas que se dissesse que ele tentou sempre estar certo nas questões da guerra. Que buscou alimentar os famintos, vestir os pobres, visitar os presos, amar e servir a humanidade. Agora que seu funeral é uma realidade - estava marcado para a segunda-feira, dia 8, com cobertura nacional de televisão nos Estados Unidos -, seu desejo será respeitado, e uma gravação do sermão será tocada como elogio fúnebre.
Em busca desses objetivos aparentemente simples, o "doutor" precisou levar uma vida complexa, que lhe rendeu muitos milhões de admiradores e uma tropa proporcional de inimigos. Nascido em 15 de janeiro de 1929 em uma família de classe média da Geórgia, filho de um pastor batista ativo na questão dos direitos civis, King pensou em seguir carreira no Direito, buscando uma base intelectual a fim de compreender a filosofia social. Acabou sendo atraído para a vida religiosa. Aluno destacado no seminário na Pensilvânia, descobriu os trabalhos de Hegel e Kant, mas especialmente a doutrina de não-violência de Gandhi, a satyagraha, que acabaria sendo seu norte por toda a vida. "De minha formação, eu obtive meus ideais cristãos. Com Gandhi, aprendi minha técnica operacional", costumava dizer. Em seguida, Luther King partiu para a Universidade de Boston, onde desenvolveria seu doutorado e se casaria com Coretta Scott, uma jovem soprano. Em 1954, foi nomeado pastor da Igreja Batista da Avenida Dexter, em Montgomery, na Alabama. Lá, sua carreira como campeão dos direitos civis teria um início arrebatador.
Marcha em Selma, no Alabama: ativistas unidos pela inscrição de eleitores negros
Marcha e sonho - No ano de 1955, a recusa da costureira negra Rosa Parks em ceder seu assento no ônibus da cidade a um passageiro branco deu origem a um boicote liderado por King - que durou mais de 300 dias, mas finalmente obteve, por uma determinação da Suprema Corte, a dessegregação nos ônibus de Montgomery. Fortalecido, o pastor fundou a Conferência Sulista de Liderança Cristã (SCLC, na sigla em inglês), e passou a ser citado como referência na busca pela igualdade racial. O fracasso em tentar dessegregar as instalações públicas de Albany, na Geórgia, em 1961 - ocasião em que acabou preso -, foi compensado com a marcha de 1963 por Birmingham. Em uma das regiões mais segregacionistas do país, o líder comandou um protesto não-violento que acabou sufocado com selvageria pelas forças locais do comissário de segurança pública Theophilus "O Touro" Connor, que prenderam 3.300 negros, incluindo King.
O triste espetáculo das autoridades foi mostrado em todo o planeta e atraiu uma legião de adeptos à causa dos direitos civis. O ano de 1963 ainda guardou outro momento apoteótico para King: a Marcha pelo Trabalho e pela Liberdade, em Washington, que reuniu mais de 250.000 adeptos em frente ao Memorial Lincoln - ocasião na qual o líder proferiu seu mais famoso discurso, "Eu Tenho Um Sonho". No ano seguinte, foi aprovado o Ato dos Direitos Civis, enviado pelo presidente John Kennedy ao Congresso ainda em 1963, banindo a segregação e discriminação racial em escolas e locais públicos. Seu trabalho foi reconhecido em 1964 com o Prêmio Nobel da Paz - aos 35 anos, King tornou-se o mais jovem recipiente do galardão.
O boicote de 1956: com Ralph Abernathy, King é multado na delegacia de Montgomery
Aos poucos, o líder foi ampliando seus objetivos. Ao mesmo tempo, ganhava mais inimigos, tanto entre brancos segregacionistas como entre negros que acreditavam que a estratégia de não-violência não trazia resultados práticos ao movimento. Recebeu inúmeras ameaças, teve sua casa apedrejada, foi esfaqueado por uma negra com problemas mentais. Posicionou-se contra a guerra do Vietnã e começou a defender a segurança econômica e redução da pobreza. Sua última empreitada, a "Campanha das Pessoas Pobres", seria inaugurada no final do mês, de forma espetacular, com uma nova marcha em Washington. Com o ponto final na vida de Martin Luther King, a exclamação que sempre caracterizou seus discursos dá lugar a uma grande interrogação. O que se sabe é que, sem o pastor, o movimento dos direitos civis e o próprio país não serão mais os mesmos. Ícone do esboço de uma nova América, mais aberta a uma multidão de minorias que hoje ocupa a margem da sociedade, King não estará vivo para presenciar o resultado de sua obra. O legado do reverendo, no entanto, certamente será lembrado pelos americanos.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Difícil arte de ser mulher

Frei beto

"Hours concours em Cannes", um dos filmes de maior sucesso no badalado festival francês foi “Ágora”, direção de Alejandro Amenabar. A estrela é a inglesa Rachel Weiz, premiada com o Oscar 2006 de melhor atriz coadjuvante em “O jardineiro fiel”, dirigido por Fernando Meirelles.

Em “Ágora” ela interpreta Hipácia, única mulher da Antiguidade a se destacar como cientista. Astrônoma, física, matemática e filósofa, Hipácia nasceu em 370, em Alexandria. Foi a última grande cientista de renome a trabalhar na lendária biblioteca daquela cidade egípcia. Na Academia de Atenas ocupou, aos 30 anos, a cadeira de Plotino. Escreveu tratados sobre Euclides e Ptolomeu, desenvolveu um mapa de corpos celestes e teria inventado novos modelos de astrolábio, planisfério e hidrômetro.

Neoplatônica, Hipácia defendia a liberdade de religião e de pensamento. Acreditava que o Universo era regido por leis matemáticas. Tais ideias suscitaram a ira de fundamentalistas cristãos que, em plena decadência do Império Romano, lutavam por conquistar a hegemonia cultural.

Em 415, instigados por Cirilo, bispo de Alexandria, fanáticos arrastaram Hipácia a uma igreja, esfolaram-na com cacos de cerâmica e conchas e, após assassiná-la, atiraram o corpo a uma fogueira. Sua morte selou, por mil anos, a estagnação da matemática ocidental. Cirilo foi canonizado por Roma.

O filme de Amenabar é pertinente nesse momento em que o fanatismo religioso se revigora mundo afora. Contudo, toca também outro tema mais profundo: a opressão contra a mulher. Hoje, ela se manifesta por recursos tão sofisticados que chegam a convencer as próprias mulheres de que esse é o caminho certo da libertação feminina.

Na sociedade capitalista, onde o lucro impera acima de todos os valores, o padrão machista de cultura associa erotismo e mercadoria. A isca é a imagem estereotipada da mulher. Sua autoestima é deslocada para o sentir-se desejada; seu corpo é violentamente modelado segundo padrões consumistas de beleza; seus atributos físicos se tornam onipresentes.

Onde há oferta de produtos – TV, internet, outdoor, revista, jornal, folheto, cartaz afixado em veículos, e o merchandising embutido em telenovelas – o que se vê é uma profusão de seios, nádegas, lábios, coxas etc. É o açougue virtual. Hipácia é castrada em sua inteligência, em seus talentos e valores subjetivos, e agora dilacerada pelas conveniências do mercado. É sutilmente esfolada na ânsia de atingir a perfeição.

Segundo a ironia da Ciranda da bailarina, de Edu Lobo e Chico Buarque, “Procurando bem / todo mundo tem pereba / marca de bexiga ou vacina / e tem piriri, tem lombriga, tem ameba / só a bailarina que não tem”. Se tiver, será execrada pelos padrões machistas por ser gorda, velha, sem atributos físicos que a tornem desejável.

Se abre a boca, deve falar de emoções, nunca de valores; de fantasias, e não de realidade; da vida privada e não da pública (política). E aceitar ser lisonjeiramente reduzida à irracionalidade analógica: “gata”, “vaca”, “avião”, “melancia” etc.

Para evitar ser execrada, agora Hipácia deve controlar o peso à custa de enormes sacrifícios (quem dera destinasse aos famintos o que deixa de ingerir...), mudar o vestuário o mais frequentemente possível, submeter-se à cirurgia plástica por mera questão de vaidade (e pensar que este ramo da medicina foi criado para corrigir anomalias físicas e não para dedicar-se a caprichos estéticos).

Toda mulher sabe: melhor que ser atraente, é ser amada. Mas o amor é um valor anticapitalista. Supõe solidariedade e não competitividade; partilha e não acúmulo; doação e não possessão. E o machismo impregnado nessa cultura voltada ao consumismo teme a alteridade feminina. Melhor fomentar a mulher-objeto (de consumo).

Na guerra dos sexos, historicamente é o homem quem dita o lugar da mulher. Ele tem a posse dos bens (patrimônio); a ela cabe o cuidado da casa (matrimônio). E, é claro, ela é incluída entre os bens... Vide o tradicional costume de, no casamento, incluir o sobrenome do marido ao nome da mulher.

No Brasil colonial, dizia-se que à mulher do senhor de escravos era permitido sair de casa apenas três vezes: para ser batizada, casada e enterrada... Ainda hoje, a Hipácia interessada em matemática e filosofia é, no mínimo, uma ameaça aos homens que não querem compartir, e sim dominar. Eles são repletos de vontades e parcos de inteligência, ainda que cultos.

Se o atrativo é o que se vê, por que o espanto ao saber que a média atual de durabilidade conjugal no Brasil é de sete anos? Como exigir que homens se interessem por mulheres que carecem de atributos físicos ou quando estes são vencidos pela idade?

Pena que ainda não inventaram botox para a alma. E nem cirurgia plástica para a subjetividade.


A compatibilidade entre fé e ciência. Entrevista com William Stoeger

Desde garoto, o astrofísico jesuíta William Stoeger tinha interesse pela natureza e pelas ciências. Junto dessa inclinação, some-se o fato de vários parentes seus estarem envolvidos com ciência e serem católicos devotos. Estava semeado o canteiro no qual floresceria sua trajetória de cientista e padre. “Nunca vi conflito algum nisso”, reiterou. Em sua opinião, quando bem compreendidas, ciência e fé não entram em conflito. O surgimento dessas arestas, assinalou, se deve a “uma compreensão errada de uma ou de outra”. Cientistas como Richard Dawkins, um dos expoentes dessa tendência, possuem uma concepção muito precária sobre o conceito de Deus, um “Deus muito pequeno”, alfineta Stoeger. “Se percebessem de que tipo de Deus bons teólogos estão falando, teriam que mudar sua crítica”. O cientista contou, também, mais detalhes sobre suas pesquisas em cosmologia, e disse ser esperançoso quanto ao futuro da humanidade, embora sejamos muito contraditórios enquanto seres humanos. Sabemos o que devemos fazer no que diz respeito à ética e à ecologia, mas tratamos as pessoas, natureza e outros organismos do universo como commodities, lamenta.

Stoeger é cientista do Grupo de Pesquisas do Observatório do Vaticano (VORG) e especialista em Cosmologia Teórica, Astrofísica de altas energias e estudos interdisciplinares relacionados com a ciência, a filosofia e a teologia. É doutor em Astrofísica pela Universidade de Cambridge desde 1979. Entre 1976 e 1979, foi pesquisador associado ao grupo de física gravitacional teórica da Universidade de Maryland, em College Park, Maryland. É membro da Sociedade Americana de Física, de Astronomia e da Sociedade Internacional de Relatividade Geral e Gravitação. Atualmente, leciona na Universidade do Arizona e na Universidade de São Francisco. É também membro do Conselho do Centro de Teologia e Ciências Naturais (CTNS). Entre outros, publicou As Leis da Natureza - Conhecimento humano e ação divina (São Paulo: Paulinas, 2002).

Confira a entrevista.

Onde você nasceu? Recebeu influências religiosas de sua família?

William Stoeger - Nasci no Sul da Califórnia, perto de Los Angeles, na cidade de Torrance. Cresci numa cidade vizinha chamada Redondo Beach, apenas a 10 km do aeroporto internacional de Los Angeles. Fui criado em uma família católica romana. Frequentei escolas católicas, tanto no fundamental quanto no colegial, e depois de terminá-lo, entrei na ordem jesuíta.

Como a sua história pessoal se reflete na sua vocação religiosa e científica?

William Stoeger - Sempre me interessei pela natureza e pelas ciências. Tive vários parentes, especialmente no lado da família da minha mãe, que eram muito envolvidos com ciência: em pesquisas agronômicas, geologia, engenharia e física espacial. Eram todos, além de cientistas, católicos devotos. Portanto eu nunca vi conflito algum nisso. Isso foi uma influência. Também na escola, especialmente no colegial, tive aulas com padres franciscanos que também tinham grande interesse em ciência.

E por que, especificamente, a tradição jesuíta interessou a você?

William Stoeger - Bem, eu acho que foi por causa das leituras que tive. Mesmo que eu tenha frequentado um colégio franciscano, conhecia alguns jesuítas. Há uma universidade jesuíta não muito longe de onde morei. Estudei um pouco lá durante o tempo de colegial.

Você leu Teilhard de Chardin?

William Stoeger - Não, eu não estudei Chardin, eu não o conhecia. Eu estudei matemática, aquilo que nos Estados Unidos chamamos de advanced placement mathematics. Quando estava no colégio estudei isso numa universidade jesuíta. Então eu decidi tentar estudar nela, e foi o que fiz.

Você disse que não vê conflito em ser cientista e padre. Então, como é ser padre e cientista ao mesmo tempo? Quais são os principais desafios? Existe alguma dificuldade?

William Stoeger - Bem, eu não penso que há dificuldades. Acredito que pode haver mal- entendidos. Particularmente, dentro das ordens religiosas, franciscanos ou dominicanos, ser padre é perfeitamente coerente com qualquer tipo de erudição ou atividade de pesquisa. E isso é certamente válido para a ordem jesuíta. Por exemplo, aqui na Unisinos, há jesuítas envolvidos principalmente na educação superior, e nos EUA é a mesma coisa. Eu acho que particularmente na tradição jesuíta existe essa ideia, uma ideia-chave, que é encontrar Deus em todas as coisas. Portanto, certamente, um dos principais lugares em que encontramos e até expandimos a nossa noção ou ideia de Deus é dentro das ciências naturais. Uma forma de ser padre é estar envolvido nestas coisas.

Este é o Ano Internacional da Astronomia. Quais foram as maiores descobertas desta ciência até o presente momento?

William Stoeger - Há muitíssimas! O Ano Internacional da Astronomia comemora as primeiras observações feitas com a utilização de um telescópio por Galileu em 1609. E certamente ele foi uma das principais pessoas que começaram com toda essa ideia de que as estrelas e os planetas não são substancialmente diferentes da Terra. Havia essa ideia, antes disso, de que as estrelas e os planetas eram tidos como imutáveis e feitos de uma substância completamente diferente da Terra e da Lua, e, por isso, não estavam realmente sujeitos à investigação científica. Mas ele começou a mostrar que os planetas e estrelas também estavam sujeitos à investigação e consistiam em matéria. Então ele conseguiu começar a demonstrar, juntamente com outras pessoas como Johannes Kepler , que os planetas e a Terra giram em torno do Sol, ao invés de vice-versa. E, é claro, temos Isaac Newton, que desenvolveu a teoria da gravidade. Mais recentemente, Einstein, claro, o trabalho que ele fez em mecânica quântica e na sua teoria gravitacional, que completa aquela. Depois vem, naturalmente, Darwin. Este também é o Ano de Darwin. E existem muitas outras descobertas também. Certamente, nos últimos vinte ou trinta anos, uma descoberta muito importante na astronomia e cosmologia foi a descoberta da radiação cósmica de fundo. A radiação de fundo é uma espécie de consequência do Big Bang. Então essa é uma descoberta fundamental.

Desde Galileu, quais aspectos melhoraram na relação entre ciência e religião?

William Stoeger - Eu acredito que houve muitas melhorias. Vejo que, de certa forma, Galileu estava à frente do seu tempo. Ele foi muito interessante, pois não achava que houvesse qualquer conflito entre ciência e religião. Já as pessoas que o criticavam achavam que sim. Elas viam alguns problemas entre a interpretação das Escrituras e o que as novas ciências estavam demonstrando. A ideia principal é de que, se compreendermos corretamente tanto a ciência quanto a fé, não há conflito. Na verdade, o surgimento de conflitos deve-se a uma compreensão errada de uma ou de outra. Por exemplo, se alguém entender errado o verdadeiro sentido dos primeiros capítulos de Gênesis, pode-se ver grandes conflitos, pode-se imaginar tremendos conflitos entre ciência e fé.

Caso interprete-se literalmente a Bíblia, não é mesmo?

William Stoeger - Literalmente, sim, se não percebermos que se trata de narrativas. Há profundas verdades naquelas narrativas, profundas verdades teológicas. Mas não há verdades científicas históricas nessas narrativas.

Ainda no tópico ciência e religião, o que o senhor pensa sobre o novo ateísmo com que alguns cientistas, como Dawkins, por exemplo, tentam combater o fundamentalismo da religião, utilizando outro fundamentalismo, baseado na razão?

William Stoeger - Esses tipos de argumentos infelizmente revelam uma falta de entendimento da parte de Dawkins ou outras pessoas. Geralmente apresentam uma versão de religião e uma versão do conceito de Deus que é muito precária. Se eles realmente lessem alguns dos principais teólogos, teriam percebido que entenderam errado o que a religião está realmente dizendo sobre Deus. O tipo de Deus que eles dizem que os crentes acreditam, é um Deus muito pequeno. Se percebessem de que tipo de Deus bons teólogos estão falando, teriam que mudar sua crítica. Eu acho que parte da crítica proveniente do ateísmo é perfeitamente justificável. Quero dizer, há vários tipos de Deus que eu também não acredito. Se alguém se diz ateu, uma pergunta que se deve fazer sempre é: em qual Deus você não acredita? Provavelmente muitos fiéis também não acreditam naquele tipo de Deus. Essa é a questão: O que é Deus? Ou: Quem é Deus? É muito importante que Deus seja um Deus muito grande, mas também um Deus ... com significado pessoal.

Professor, o que especificamente o senhor está pesquisando agora?

William Stoeger - Tenho duas grandes áreas em pesquisa. Eu pesquiso na área das ciências propriamente ditas, e faço algumas pesquisas interdisciplinares também. Minha pesquisa na área das ciências é basicamente em cosmologia, sobre o comportamento e a história do universo como um objeto específico de estudo. Portanto, essa é uma das pesquisas significantes que faço aqui, também com alguns cientistas do Brasil. No Rio, há dois cosmólogos brasileiros com quem trabalho no desenvolvimento de formas específicas de testar modelos do universo, usando observação astronômica. Isso envolve resolver, com esmero nos detalhes, as consequências observacionais de certos modelos de universo e dizer aos astrônomos quais observações fazer para testar esses modelos. E outro tipo de coisa em que tenho estado envolvido é verificar os limites das observações. Então estas são algumas das coisas em que tenho trabalhado. Entre elas, uma questão com a qual estou envolvido é o trabalho sobre energia escura. Energia escura é esse tipo de energia muito misteriosa que parece estar acelerando o universo.

A matéria escura também é um mistério, mas, na verdade, é matéria que se aglomera e forma halos em volta das galáxias; não a podemos ver, mas sabemos que está lá. A energia escura também é chamada de energia do vácuo. E isso é algo que provavelmente não tende a se aglomerar, que provavelmente está distribuída por igual pelo universo, e a evidência é de que ela faz com que a expansão do universo se acelere. Sem ela, a expansão do universo seria desacelerada, ficaria mais lenta. E nós pensamos que está acelerando. A única forma de explicar isso é com a energia escura. Escrevi um artigo que foi publicado há um ano, juntamente com um dos meus colegas brasileiros, sobre uma das formas para se determinar a quantidade de energia escura no universo.

Quem são estas pessoas que trabalham com o senhor aqui no Brasil?

William Stoeger - Ambos são da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, na Ilha do Fundão. Um deles é o Marcelo Evangelista de Araújo e o outro é Marcelo Ribeiro. Estes são os dois com quem trabalho.

Professor, minha próxima pergunta é bem especifica sobre ética. O senhor tem esperança em relação ao nosso futuro como humanidade, quanto ao comportamento que temos com a ética e o meio ambiente?

William Stoeger - Eu tenho esperança no futuro da humanidade. Mas nós, seres humanos, somos muito estranhos. Somos autocontraditórios no sentido de que, às vezes, temos ideais elevados, mas em várias oportunidades nos comportamos de forma contrária a estes ideais, e contrária aos nossos melhores interesses. Algumas vezes, temos uma noção geral do nosso futuro, mas frequentemente agimos contra isso. Na verdade, tenho esperança, mas essa esperança depende de agirmos mais racionalmente, com muito mais respeito e reverência para com a criação e outras pessoas. Isso porque, frequentemente, tratamos as outras pessoas, a natureza e os outros organismos do universo, simplesmente, como commodities.

Como objetos?

William Stoeger – Sim, como objetos, para nosso próprio uso. E vemos isso o tempo inteiro. Até mesmo na prática empregatícia, ao tratar os empregados. Não os tratamos como indivíduos, mas como mercadoria. Este é um aspecto que sempre haverá, mas, enquanto isso for uma prioridade, enquanto essa for a principal maneira que lidamos com as coisas, então não estaremos agindo eticamente.


Fonte: Unisnos

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

DAS UTOPIAS
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!

Mário Quintana

Canção das mulheres

Lya Luft

Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.

Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.

Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.

Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.

Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.

Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.

Que o outro sinta quanto me dóia idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco - em lugar de voltar logo à sua vida.

Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ''Olha que estou tendo muita paciência com você!''

Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.

Que se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.

Que o outro não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.

Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa - uma mulher.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Esquimós


Os esquimós (ou inuit como se autodenominam) vivem no Ártico, uma das regiões mais frias da Terra. As teorias mais propagadas afirmam que seu assentamento nas regiões mais frias do planeta se deve ao rechaço de que foram objeto por parte dos índios americanos (há 12.000 anos), quando chegaram ao Alaska, vindos do nordeste da Ásia e através do estreito de Bering.

Hoje, os esquimós não formam nem pertencem a alguma nação. Trata-se de um povo solidário, acolhedor e muito pacífico. São nômades por natureza. Sua civilização se baseia na família, patriarcal e poligâmica, na qual o homem tem mais mulheres na medida em que possui mais riquezas.

As crianças são muito importantes para os esquimós porque, de acordo com suas crenças, os pequenos são reencarnações de seus antepassados. Os inuit crêem na existência de seres superiores aos quais não é necessário cultuar ou mesmo fazer orações.
A estatura dos esquimós é pequena, os homens medem, em média, 1,60 m e as mulheres 10 cm menos. Seus corpos são fortes e seus membros curtos.
As terras do norte, extremamente frias, não permitem o crescimento de plantas, as únicas coisas que os esquimós podem fazer para sobreviver é caçar e pescar. É muito característico dos esquimós andar acompanhados de cães, usados para caçar e puxar os trenós, seu principal meio de transporte.
Dentro de suas casas, as mulheres se dedicam a cozinhar e costurar, enquanto os homens preparam seus utensílios para caçar e pescar focas e baleias. Os esquimós aproveitam tudo dos animais caçados: carne, gordura, pele, ossos e intestinos. Sua dieta habitual era a carne fervida, mas devido à lentidão deste processo e a escassez do combustível animal que era necessário, este povo passou a come carne crua. A origem da palavra esquimó (no idioma algonquino) quer dizer comedor de carne crua.
As roupas dos esquimós são feitas com pele de foca, com a pelagem voltada para dentro e forradas com pele de urso ou de raposas, que as mulheres mascam com seus dentes e curtem com urina. Estas roupas são costuradas com os tendões dos animais.
Durante o inverno é comum que os alimentos fiquem escassos, época em que os homens saem para viajar e caçar. Quando as expedições duram muitos dias, é necessário construir casas temporárias, feitos com gelo, os iglus são estes famosos refúgios.
A língua esquimó está dividida em quatro dialetos bem parecidos, que só tem Substantivos e verbos.

Fonte:Thais Pacievitch
Infoescola

Història da Azaléia

A empresa de calçados Azaléia foi fundada em 2 de dezembro de 1958, na idéia inicial dos empresários Arnaldo Luiz de Paula, Nelson Lauck e Arnildo Lauck. O primeiro nome da empresa foi “Berlitz, Lac e Cia. Ltda”.

A primeira instalação da empresa que começou a produzir dez pares de calçados femininos por dia, foi um barracão de madeira alugado onde trabalhavam os sócios e as esposas. A empresa cresceu e hoje está sediada em Parobé, cidade do Rio Grande do Sul.

Possui filiais de produção nos estados do Rio Grande do Sul, Bahia e Sergipe. Representação comercial em todo Brasil, EUA, Europa e América Latina.

Exporta para mais e 80 países através de 3 mil pontos-de-venda em todo os continentes, sendo 15 mil pontos-de-venda no Brasil. Além da marca Azaléia, é proprietária das marcas AZ, Dijean, Funny e Olympikus. Atende a vários públicos específicos como mulheres jovens e maduras; estilo social e esportivo; formal e simples.

Apresenta em sua filosofia junto a sociedade um projeto de Responsabilidade Social, atendendo na fabricação de mais de 160.000 pares/dia ao respeito pelo meio ambiente reciclando insumos, tratando efluentes líquidos e emissões atmosféricas. É parceira no projeto Criança Esperança, realiza fóruns de temas sociais e campanhas pontuais como a campanha do agasalho.


Fonte:Fernando Rebouças.
Infoescola

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A aliança

Luis Fernando Verissimo


Esta é uma história exemplar, só não está muito claro qual é o exemplo. De qualquer jeito, mantenha-a longe das crianças. Também não tem nada a ver com a crise brasileira, o apartheid, a situação na América Central ou no Oriente Médio ou a grande aventura do homem sobre a Terra. Situa-se no terreno mais baixo das pequenas aflições da classe média. Enfim. Aconteceu com um amigo meu. Fictício, claro.

Ele estava voltando para casa como fazia, com fidelidade rotineira, todos os dias à mesma hora. Um homem dos seus 40 anos, naquela idade em que já sabe que nunca será o dono de um cassino em Samarkand, com diamantes nos dentes, mas ainda pode esperar algumas surpresas da vida, como ganhar na loto ou furar-lhe um pneu. Furou-lhe um pneu. Com dificuldade ele encostou o carro no meio-fio e preparou-se para a batalha contra o macaco, não um dos grandes macacos que o desafiavam no jângal dos seus sonhos de infância, mas o macaco do seu carro tamanho médio, que provavelmente não funcionaria, resignação e reticências... Conseguiu fazer o macaco funcionar, ergueu o carro, trocou o pneu e já estava fechando o porta-malas quando a sua aliança escorregou pelo dedo sujo de óleo e caiu no chão. Ele deu um passo para pegar a aliança do asfalto, mas sem querer a chutou. A aliança bateu na roda de um carro que passava e voou para um bueiro. Onde desapareceu diante dos seus olhos, nos quais ele custou a acreditar. Limpou as mãos o melhor que pôde, entrou no carro e seguiu para casa. Começou a pensar no que diria para a mulher. Imaginou a cena. Ele entrando em casa e respondendo às perguntas da mulher antes de ela fazê-las.

— Você não sabe o que me aconteceu!

— O quê?

— Uma coisa incrível.

— O quê?

— Contando ninguém acredita.

— Conta!

— Você não nota nada de diferente em mim? Não está faltando nada?

— Não.

— Olhe.

E ele mostraria o dedo da aliança, sem a aliança.

— O que aconteceu?

E ele contaria. Tudo, exatamente como acontecera. O macaco. O óleo. A aliança no asfalto. O chute involuntário. E a aliança voando para o bueiro e desaparecendo.

— Que coisa - diria a mulher, calmamente.

— Não é difícil de acreditar?

— Não. É perfeitamente possível.

— Pois é. Eu...

— SEU CRETINO!

— Meu bem...

— Está me achando com cara de boba? De palhaça? Eu sei o que aconteceu com essa aliança. Você tirou do dedo para namorar. É ou não é? Para fazer um programa. Chega em casa a esta hora e ainda tem a cara-de-pau de inventar uma história em que só um imbecil acreditaria.

— Mas, meu bem...

— Eu sei onde está essa aliança. Perdida no tapete felpudo de algum motel. Dentro do ralo de alguma banheira redonda. Seu sem-vergonha!

E ela sairia de casa, com as crianças, sem querer ouvir explicações. Ele chegou em casa sem dizer nada. Por que o atraso? Muito trânsito. Por que essa cara? Nada, nada. E, finalmente:

— Que fim levou a sua aliança? E ele disse:

— Tirei para namorar. Para fazer um programa. E perdi no motel. Pronto. Não tenho desculpas. Se você quiser encerrar nosso casamento agora, eu compreenderei.

Ela fez cara de choro. Depois correu para o quarto e bateu com a porta. Dez minutos depois reapareceu. Disse que aquilo significava uma crise no casamento deles, mas que eles, com bom-senso, a venceriam.

— O mais importante é que você não mentiu pra mim.

E foi tratar do jantar.


Texto extraído do livro "As mentiras que os homens contam", Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2000, pág. 37.

Primavera

Cecília Meireles


A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.

Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.

Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.

Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.

Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.

Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.

Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.

Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.

Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.


Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume 1", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1998, pág. 366.

sábado, 26 de setembro de 2009

Personagem

Bernardo é um gáucho que mora ha dois anos em Minas Gerais. Começou a faculdade de letras na UFRGS , e terminou na UFJF, pois quando estava no quinto período, a empresa onde trabalhava, o transferiu para uma filial em Juíz de Fora. Recentemente ele passou em concurso público, e agora leciona literatura em uma cidade do interior de Minas, com menos de 10 mil habitantes. Todo sábado ele precisa se deslocar para Juíz de Fora , pois está fazendo um curso de especialização em estudos literários.

Bernardo tem 22 anos, 1,82 de altura. Olhos grandes, verde- folha com algumas nuances de azul turquesa. Usa um cavanhaque que o deixa extremamente charmoso -mas ele não sabe disso- usa esse artifício apenas por acreditar que assim ele fica com cara de sério. É um cara romantico. Adora poesias, música clássica e teatro. Nas horas vagas gosta de tocar violão, ler ou escrever. Também gosta muito de história da arte e filosofia. Tem planos de publicar um livro de poemas que escreveu. Uma editora está analisando a obra e ele aguarda ansiosamente a resposta.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Vou postar aqui um poema .
Talvez vocês o achem infantil, exagerado ou demasiadamente sentimental. Mas peço que considerem que eu o fiz ha muito tempo, numa época em que eu ainda acreditava em príncipes encantados e finais felizes. Lendo-o agora encontrei coisas que precisavam ser corrigidas. Mas se eu mudasse alguma coisa, acabaria alterando o que ele representa pra mim.

MEU TRÁGICO AMOR DE PRIMAVERA

Antes tudo era monotonia.
Isuportável rotina da melancolia.
Diversificar eu tentava, mas era em vão.
Achar o que preenchia o espaço vago em meu coração.

E num túnel que escuro estava,
Vi de longe a luz que procurava.

Dissipando a escuridão ao meu redor,
Daria minha vida, meu sangue, meu suor.

Mas a luz que era minha única esperança,
foi embora e ficou só na lembrança.
Eu ansiosa, esperando ele voltar,
perceber que não era inútil amar.

E o meu olhar distante,
vida amarga como o féu.
Lembrar daquele diamante
que tem os olhos da cor do céu.

Em sonhos frequente emoção,
não passava de uma ilusão,
meu coração acreditava de verdade,
que pudesse se tornar realidade.

E o que antes estava além do infinito,
esteve bem perto de mim agora.
Eu vivi o meu sonho mais bonito;
A volta de um amor que foi embora.

Pensei que sonhando ainda estava eu,
mas não estava dormindo, era muito real.
Que um dia ele pudesse ser meu,
era uma coisa sensacional.

De fato estava sonhando,acordada.
Caí da cama e me machuquei.
Estava triste, decepcionada,
sofri,com tudo isso chorei.

O que vivi de fato um sonho era,
mas realizei por um momento.
Foi a a mais linda primavera,
e ainda guardo em meu pensamento.
"Só se vê com o coração.

O essencial é invisivel aos olhos."

Exupére

Lágrimas ocultas

Adélia Prado :

"Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida,
que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!"



Extraído de:http://www.luso-poemas.net/modules/news03/index.php?storytopic=47

Pelicano

Adélia Prado


Um dia vi um navio de perto.
Por muito tempo olhei-o
com a mesma gula sem pressa com que olho
Jonathan:
primeiro as unhas, os dedos, seus nós.
Eu amava o navio.
Oh! eu dizia. Ah, que coisa é um navio!
Ele balançava de leve
como os sedutores meneiam.
À volta de mim busquei pessoas:
olha, olha o navio
e dispus-me a falar do que não sabia
para que enfim tocasse
no onde o que não tem pés
caminha sobre a massa das águas.
Uma noite dessas, antes de me deitar
vi - como vi o navio - um sentimento.
Travada de interjeições, mutismos,
vocativos supremos balbuciei:
Ó Tu! e Ó Vós!
- a garganta doendo por chorar.
Me ocorreu que na escuridão da noite
eu estava poetizada,
um desejo supremo me queria
Ó Misericórdia, eu disse
e pus minha boca no jorro daquele peito.
Ó amor, e me deixei afagar,
a visão esmaecendo-se,
lúcida, ilógica,
verdadeira como um navio.

(Poesia Reunida, p.359)

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Conto: A menina dos olhos

Nilto Maciel


Corríamos pelo campo, não sei bem com que intenções. Possivelmente desejávamos pegar borboletas ou grilos. Talvez quiséssemos apenas correr. Não consigo lembrar-me dessas migalhas. Já faz muito tempo. Eu devia ser um pedacinho de gente de uns cinco ou seis anos.
Havia uma cerca de arame a dividir o terreno em dois mundos opostos: de um lado capim rasteiro; de outro, terra nua. E tratamos de transpô-la. E já então arrastava-nos a determinação de achar não sei o quê. Uns pareciam mais decididos, como se comandassem os demais. Raquel sobretudo, que caminhava à frente e de vez em quando parava, abaixa?va-se, cutucava o chão. Uns acercavam-se dela, faziam-lhe per?guntas, arranjavam gravetos e espetavam a terra. Imitavam-na ou queriam agradá-la. Outros, como eu, permaneciam ao largo, mais curiosos que agitados, à espera de novas invenções de Raquel.
Aqui e ali a terra se apresentava fofa, como se a tivessem revolvido profundamente. E eu sentia medo, a imaginar cadá?veres enterrados, tesouros encobertos, buracos que fossem dar no país dos anões. Raquel, porém, parecia saber de tudo, co?nhecer palmo a palmo o terreno e nem sequer se espantava quan?do metia o pé num buraco mais fundo.
Pouco a pouco, só eu permaneci mais afastado e até vol?tei à cerca. O ciúme não me deixava ir atrás de Raquel, feito um qualquer. Por que não me havia falado nada? Por que não me dava atenção? Por que preferia a companhia dos outros?
Ela falava sem parar e todos a escutavam. Apontava para o chão, como se explicasse coisas muito interessantes, a origem dos buracos, o nome dos mortos, o valor dos tesouros, a vida dos anões. Eu não conseguia ouvir sua voz, e mais me emburrava.
Para onde fosse Raquel, iam os outros, como se ela os tivesse atados por cordões. Arrastava-os de lá para cá, de cá para lá. E eu sem saber o que tanto buscavam. A casa do preá, o ovo da galinha, a cova da avozinha?
Primeiro Raquel apalpava o chão com um pé, o corpo sus?tentado no outro, para só então seus súditos criarem cora?gem de avançar, como se a terra pudesse abrir-se para os engolir.
A cada passo de Raquel meu coração dava um pulo e eu fechava os olhos para não vê-la desaparecer. Abria-os, o coração de novo a pular, e já ela aparecia noutro lugar, um passo aqui, pum-pum, um passo acolá, pum-pum.
Súbito Raquel afundava e gritava, estarrecida, chorava e agitava as mãos, perdida. E os outros corriam, chocavam-se, tombavam, e eu ainda agarrei-me à cerca, a ferir-me as mãos, paralisado, frio.
E muitos anos depois, toda vez que eu via Raquel, eu a imaginava morta, a passear na sua transparência através das paredes, dos objetos, de mim mesmo, e vir alojar-se bem dentro de meus olhos.


fonte: Literatura sem fronteiras – niltomaciel@uol.com.br