segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Cansa sentir quando se pensa

Cansa sentir quando se pensa.
No ar da noite a madrugar
Há uma solidão imensa
Que tem por corpo o frio do ar.

Neste momento insone e triste
Em que não sei quem hei de ser,
Pesa-me o informe real que existe
Na noite antes de amanhecer.

Tudo isto me parece tudo.
E é uma noite a ter um fim
Um negro astral silêncio surdo
E não poder viver assim.

(Tudo isto me parece tudo.
Mas noite, frio, negror sem fim,
Mundo mudo, silêncio mudo -
Ah, nada é isto, nada é assim
!)

Fernando Pessoa
A vida é como jogar uma bola na parede:
Se for jogada uma bola azul, ela voltará azul;
Se for jogada uma bola verde, ela voltará verde;
Se a bola for jogada fraca, ela voltará fraca;
Se a bola for jogada com força, ela voltará com força.
Por isso, nunca "jogue uma bola na vida" de forma
que você não esteja pronto a recebê-la.
A vida não dá nem empresta;
não se comove nem se apieda.
Tudo quanto ela faz é retribuir e transferir
aquilo que nós lhe oferecemos.

Albert Einsten

O Homem e A Mulher

O homem é a mais elevada das criaturas;
A mulher é o mais sublime dos ideais.
O homem é o cérebro;
A mulher é o coração.
O cérebro fabrica a luz;
O coração, o AMOR.
A luz fecunda, o amor ressuscita.
O homem é forte pela razão;
A mulher é invencível pelas lágrimas.
A razão convence, as lágrimas comovem.
O homem é capaz de todos os heroísmos;
A mulher, de todos os martírios.
O heroísmo enobrece, o martírio sublima.
O homem é um código;
A mulher é um evangelho.
O código corrige; o evangelho aperfeiçoa.
O homem é um templo; a mulher é o sacrário.
Ante o templo nos descobrimos;
Ante o sacrário nos ajoelhamos.
O homem pensa; a mulher sonha.
Pensar é ter , no crânio, uma larva;
Sonhar é ter , na fronte, uma auréola.
O homem é um oceano; a mulher é um lago.
O oceano tem a pérola que adorna;
O lago, a poesia que deslumbra.
O homem é a águia que voa;
A mulher é o rouxinol que canta.
Voar é dominar o espaço;
Cantar é conquistar a alma.
Enfim, o homem está colocado onde termina a terra;
A mulher, onde começa o céu.

Victor Hugo

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Música: Marcas do Eterno

Pe. Fábio de Melo


Antes de você entrar na minha vida
De se decidir por mim
Por minha história
Haverá de ter clareza de saber bem
Quem eu sou
Pra depois não me dizer
Ter se enganado

Eu não posso ser o que você quiser
Sou bem mais do que os seus olhos
Podem ver
Se quiser seguir comigo
Eu lhe estendo a mão
Mas não pode um só momento
Se esquecer

Sou consagrado ao meu Senhor
Solo sagrado eu sei que sou
Vida que o céu sacramentou
Marcas do eterno estão em mim

Antes do seu amor chegar
Um outro amor já me encontrou
E me envolveu com tanta luz
Que já não posso me esquecer

Se mesmo assim quiser ficar
Seja bem vindo ao meu lugar
À este coração que resolveu
Plantar-se inteiro em Deus
E hoje não quer mais se aprisionar

Eu lhe peço que me ajude
A ser mais santo
Que por vezes me esqueça no meu canto
É que a minha santidade
Necessita solidão
Só assim minha presença
É mais saudável

Não me peça o que de mim
Pertence a Deus
Nem dê mais do que eu preciso receber
Ser amado em excesso
Faz tão mal quanto não ser
Eu lhe peço que me ajude a ser de Deus

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A luta contra a segregação racial

Lendo uma revista Veja, do ano de 1968, que falava sobre morte Matin Luther King, e sua incánsavel luta pelos direitos civis, encontrei uma matéria relatando como a luta pela desegregação dos espaços públicos nos Estados Unidos se intensificou. Gostei muito, e resolvi postá-la no Eclético:


Boicote ao transporte público segregado de uma cidade do
Alabama foi o ponto de partida para solidificar a liderança de

Martin Luther King na causa dos direitos civis nos EUA.

Aos olhos e ouvidos de todo o mundo, a cena de um oceano de pessoas diante do Memorial Lincoln, na marcha de Washington em 1963, e os vibrantes discursos pela harmonia social e econômica nos Estados Unidos são as mais belas lembranças do que a soul force ("força da alma") de Martin Luther King era capaz de realizar. O maior feito de sua trajetória, contudo, é menos simbólico e muito mais prático. Ao lutar até o fim pelo direito de uma mulher negra se manter sentada em um ônibus de uma pequena cidade no Alabama, sem precisar entregar seu lugar a um passageiro branco, o até então desconhecido pastor batista desafiou o estado e conseguiu uma vitória impensável em um país ainda rachado pela segregação. Foi o primeiro passo de uma histórica jornada pela liberdade, que fez de King o grande líder da comunidade negra e um ícone da batalha ideológica pelos direitos civis ao redor do planeta.


Vitória no tribunal: com a mulher, Coretta, King comemora suspensão de condenação

Em 1º de dezembro de 1955, a costureira Rosa Parks recusou-se a ceder seu assento (na seção reservada aos negros) a um homem branco em um ônibus municipal de Montgomery, no Alabama, conforme determinavam as leis segregacionistas do estado. Informada pelo motorista que acabaria presa caso não repensasse sua decisão, a mulher de 42 anos preferiu ser levada para a cadeia - e, posteriormente, a julgamento. Sua prisão silenciosa fez o Conselho Político Feminino da cidade propor aos negros da cidade um dia de boicote aos ônibus municipais, na exata data em que Rosa Parks deveria comparecer ao tribunal, 5 de novembro. Sua esdrúxula condenação pelo júri levou à formação imediata da Montgomery Improvement Association (MIA), para coordenar as ações seguintes, incluindo a extensão do boicote e o questionamento legal da constitucionalidade da lei de segregação no transporte público. Para não melindrar nenhum ativista local, a presidência da entidade foi entregue a Martin Luther King, que desembarcara havia pouco na cidade como pastor da Igreja Batista da Avenida Dexter. O líder viu a missão como uma oportunidade de melhorar as relações entre as raças e, por tabela, a situação de Montgomery.

Naquela mesma tarde, King discursou para uma multidão reunida diante da Igreja Batista da Rua Holt, já revelando o poder retórico invejável que o faria célebre. "Quero assegurar a todos que trabalharemos com vontade e determinação para fazer prevalecer a justiça nos ônibus da cidade. Não estamos errados. Se estivermos errados, a Suprema Corte desta nação está errada. Se estivermos errados, a Constituição dos Estados Unidos está errada. Se estivermos errados, Deus Todo-Poderoso está errado." Já nesse primeiro encontro, o pastor pediu um compromisso pela não-violência no protesto, traço que marcaria todas as outras manifestações, assim como os valores da ética cristã propagados por King. Poucos dias depois, a MIA tornou pública suas reivindicações: ocupação dos assentos de acordo com a ordem de chegada do passageiro, motoristas negros em rotas predominantemente negras e tratamento cortês pelos funcionários.


O estopim: Rosa Parks é detida em 1956

Conspiração e multa - A prefeitura de Montgomery não atendeu aos apelos da entidade, que decidiu continuar o boicote. Motoristas de táxi negros organizaram-se para ajudar a comunidade, e foram penalizados pela prefeitura; com isso, organizou-se uma extensa rede de caronas que mobilizou mais de 300 carros. No início de 1956, bombas foram atiradas contra as casas de Martin Luther King e E. D. Nixon, outro líder negro local, sem deixar vítimas. Em fevereiro, invocando uma lei de 1921, que proibia a conspiração contra negócios lícitos, a prefeitura indiciou mais de 80 líderes e participantes do boicote. King foi condenado e teve de pagar uma multa de 500 dólares para evitar um ano de encarceramento. Apesar disso, o boicote continuou, e atraiu a atenção nacional. Pacifistas famosos como Bayard Rustin e Glenn Smiley passaram a aproximar-se de King e apoiar o movimento.

Em 5 de junho de 1956, uma corte federal enfim determinou que a segregação nos ônibus era inconstitucional, decisão ratificada em 13 de novembro pela Suprema Corte. Houve intensa comemoração entre a comunidade negra da cidade, mas a MIA decidiu manter o boicote e o sistema de caronas até que a dessegregação realmente fosse implantada no transporte de Montgomery. Um mês depois, em 20 de dezembro, Martin Luther King anunciou o fim do movimento; no dia seguinte, ele, E. D. Nixon, Glenn Smiley e o pastor Ralph Abernathy embarcaram em um ônibus já integrado. No total, foram 381 dias de boicote, com o apoio de mais de 42.000 negros. Rosa Parks, que no meio do processo perdeu seu emprego numa loja de departamentos, tornou-se alvo de hostilidades de segregacionistas e mudou-se para Detroit em 1957, onde segue envolvida com a causa. Atualmente empregada no gabinete do deputado John Conyers, Rosa, conhecida como a "mãe do movimento pelos direitos civis", perde um de seus principais parceiros, que seguiu pelo resto da vida o lema dos manifestantes: "Melhor andar com dignidade que rodar na humilhação."

VEJA, Abril de 1968

O Rei da Nova América

Formação cristã, filosofia européia e ensinamentos de Gandhi
fizeram de King uma bandeira da transformação dos EUA e um
líder universal, para quem não havia causa pequena demais.

Exatamente dois meses antes de sua morte, no dia 4 de fevereiro, no púlpito da Igreja Batista Ebenezer, em Atlanta, Martin Luther King Jr. fez um sermão revelando o que gostaria que fosse dito a seu respeito no próprio funeral. Nele, o pastor pediu que não se mencionasse seu Prêmio Nobel da Paz, recebido em 1964, ou nenhuma das outras 300 ou 400 honrarias que recebeu ao longo de sua trajetória. O líder negro ainda especificou para que não fosse citado em que escola ou faculdade ele se formou. King queria apenas que se dissesse que ele tentou sempre estar certo nas questões da guerra. Que buscou alimentar os famintos, vestir os pobres, visitar os presos, amar e servir a humanidade. Agora que seu funeral é uma realidade - estava marcado para a segunda-feira, dia 8, com cobertura nacional de televisão nos Estados Unidos -, seu desejo será respeitado, e uma gravação do sermão será tocada como elogio fúnebre.
Em busca desses objetivos aparentemente simples, o "doutor" precisou levar uma vida complexa, que lhe rendeu muitos milhões de admiradores e uma tropa proporcional de inimigos. Nascido em 15 de janeiro de 1929 em uma família de classe média da Geórgia, filho de um pastor batista ativo na questão dos direitos civis, King pensou em seguir carreira no Direito, buscando uma base intelectual a fim de compreender a filosofia social. Acabou sendo atraído para a vida religiosa. Aluno destacado no seminário na Pensilvânia, descobriu os trabalhos de Hegel e Kant, mas especialmente a doutrina de não-violência de Gandhi, a satyagraha, que acabaria sendo seu norte por toda a vida. "De minha formação, eu obtive meus ideais cristãos. Com Gandhi, aprendi minha técnica operacional", costumava dizer. Em seguida, Luther King partiu para a Universidade de Boston, onde desenvolveria seu doutorado e se casaria com Coretta Scott, uma jovem soprano. Em 1954, foi nomeado pastor da Igreja Batista da Avenida Dexter, em Montgomery, na Alabama. Lá, sua carreira como campeão dos direitos civis teria um início arrebatador.
Marcha em Selma, no Alabama: ativistas unidos pela inscrição de eleitores negros
Marcha e sonho - No ano de 1955, a recusa da costureira negra Rosa Parks em ceder seu assento no ônibus da cidade a um passageiro branco deu origem a um boicote liderado por King - que durou mais de 300 dias, mas finalmente obteve, por uma determinação da Suprema Corte, a dessegregação nos ônibus de Montgomery. Fortalecido, o pastor fundou a Conferência Sulista de Liderança Cristã (SCLC, na sigla em inglês), e passou a ser citado como referência na busca pela igualdade racial. O fracasso em tentar dessegregar as instalações públicas de Albany, na Geórgia, em 1961 - ocasião em que acabou preso -, foi compensado com a marcha de 1963 por Birmingham. Em uma das regiões mais segregacionistas do país, o líder comandou um protesto não-violento que acabou sufocado com selvageria pelas forças locais do comissário de segurança pública Theophilus "O Touro" Connor, que prenderam 3.300 negros, incluindo King.
O triste espetáculo das autoridades foi mostrado em todo o planeta e atraiu uma legião de adeptos à causa dos direitos civis. O ano de 1963 ainda guardou outro momento apoteótico para King: a Marcha pelo Trabalho e pela Liberdade, em Washington, que reuniu mais de 250.000 adeptos em frente ao Memorial Lincoln - ocasião na qual o líder proferiu seu mais famoso discurso, "Eu Tenho Um Sonho". No ano seguinte, foi aprovado o Ato dos Direitos Civis, enviado pelo presidente John Kennedy ao Congresso ainda em 1963, banindo a segregação e discriminação racial em escolas e locais públicos. Seu trabalho foi reconhecido em 1964 com o Prêmio Nobel da Paz - aos 35 anos, King tornou-se o mais jovem recipiente do galardão.
O boicote de 1956: com Ralph Abernathy, King é multado na delegacia de Montgomery
Aos poucos, o líder foi ampliando seus objetivos. Ao mesmo tempo, ganhava mais inimigos, tanto entre brancos segregacionistas como entre negros que acreditavam que a estratégia de não-violência não trazia resultados práticos ao movimento. Recebeu inúmeras ameaças, teve sua casa apedrejada, foi esfaqueado por uma negra com problemas mentais. Posicionou-se contra a guerra do Vietnã e começou a defender a segurança econômica e redução da pobreza. Sua última empreitada, a "Campanha das Pessoas Pobres", seria inaugurada no final do mês, de forma espetacular, com uma nova marcha em Washington. Com o ponto final na vida de Martin Luther King, a exclamação que sempre caracterizou seus discursos dá lugar a uma grande interrogação. O que se sabe é que, sem o pastor, o movimento dos direitos civis e o próprio país não serão mais os mesmos. Ícone do esboço de uma nova América, mais aberta a uma multidão de minorias que hoje ocupa a margem da sociedade, King não estará vivo para presenciar o resultado de sua obra. O legado do reverendo, no entanto, certamente será lembrado pelos americanos.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Difícil arte de ser mulher

Frei beto

"Hours concours em Cannes", um dos filmes de maior sucesso no badalado festival francês foi “Ágora”, direção de Alejandro Amenabar. A estrela é a inglesa Rachel Weiz, premiada com o Oscar 2006 de melhor atriz coadjuvante em “O jardineiro fiel”, dirigido por Fernando Meirelles.

Em “Ágora” ela interpreta Hipácia, única mulher da Antiguidade a se destacar como cientista. Astrônoma, física, matemática e filósofa, Hipácia nasceu em 370, em Alexandria. Foi a última grande cientista de renome a trabalhar na lendária biblioteca daquela cidade egípcia. Na Academia de Atenas ocupou, aos 30 anos, a cadeira de Plotino. Escreveu tratados sobre Euclides e Ptolomeu, desenvolveu um mapa de corpos celestes e teria inventado novos modelos de astrolábio, planisfério e hidrômetro.

Neoplatônica, Hipácia defendia a liberdade de religião e de pensamento. Acreditava que o Universo era regido por leis matemáticas. Tais ideias suscitaram a ira de fundamentalistas cristãos que, em plena decadência do Império Romano, lutavam por conquistar a hegemonia cultural.

Em 415, instigados por Cirilo, bispo de Alexandria, fanáticos arrastaram Hipácia a uma igreja, esfolaram-na com cacos de cerâmica e conchas e, após assassiná-la, atiraram o corpo a uma fogueira. Sua morte selou, por mil anos, a estagnação da matemática ocidental. Cirilo foi canonizado por Roma.

O filme de Amenabar é pertinente nesse momento em que o fanatismo religioso se revigora mundo afora. Contudo, toca também outro tema mais profundo: a opressão contra a mulher. Hoje, ela se manifesta por recursos tão sofisticados que chegam a convencer as próprias mulheres de que esse é o caminho certo da libertação feminina.

Na sociedade capitalista, onde o lucro impera acima de todos os valores, o padrão machista de cultura associa erotismo e mercadoria. A isca é a imagem estereotipada da mulher. Sua autoestima é deslocada para o sentir-se desejada; seu corpo é violentamente modelado segundo padrões consumistas de beleza; seus atributos físicos se tornam onipresentes.

Onde há oferta de produtos – TV, internet, outdoor, revista, jornal, folheto, cartaz afixado em veículos, e o merchandising embutido em telenovelas – o que se vê é uma profusão de seios, nádegas, lábios, coxas etc. É o açougue virtual. Hipácia é castrada em sua inteligência, em seus talentos e valores subjetivos, e agora dilacerada pelas conveniências do mercado. É sutilmente esfolada na ânsia de atingir a perfeição.

Segundo a ironia da Ciranda da bailarina, de Edu Lobo e Chico Buarque, “Procurando bem / todo mundo tem pereba / marca de bexiga ou vacina / e tem piriri, tem lombriga, tem ameba / só a bailarina que não tem”. Se tiver, será execrada pelos padrões machistas por ser gorda, velha, sem atributos físicos que a tornem desejável.

Se abre a boca, deve falar de emoções, nunca de valores; de fantasias, e não de realidade; da vida privada e não da pública (política). E aceitar ser lisonjeiramente reduzida à irracionalidade analógica: “gata”, “vaca”, “avião”, “melancia” etc.

Para evitar ser execrada, agora Hipácia deve controlar o peso à custa de enormes sacrifícios (quem dera destinasse aos famintos o que deixa de ingerir...), mudar o vestuário o mais frequentemente possível, submeter-se à cirurgia plástica por mera questão de vaidade (e pensar que este ramo da medicina foi criado para corrigir anomalias físicas e não para dedicar-se a caprichos estéticos).

Toda mulher sabe: melhor que ser atraente, é ser amada. Mas o amor é um valor anticapitalista. Supõe solidariedade e não competitividade; partilha e não acúmulo; doação e não possessão. E o machismo impregnado nessa cultura voltada ao consumismo teme a alteridade feminina. Melhor fomentar a mulher-objeto (de consumo).

Na guerra dos sexos, historicamente é o homem quem dita o lugar da mulher. Ele tem a posse dos bens (patrimônio); a ela cabe o cuidado da casa (matrimônio). E, é claro, ela é incluída entre os bens... Vide o tradicional costume de, no casamento, incluir o sobrenome do marido ao nome da mulher.

No Brasil colonial, dizia-se que à mulher do senhor de escravos era permitido sair de casa apenas três vezes: para ser batizada, casada e enterrada... Ainda hoje, a Hipácia interessada em matemática e filosofia é, no mínimo, uma ameaça aos homens que não querem compartir, e sim dominar. Eles são repletos de vontades e parcos de inteligência, ainda que cultos.

Se o atrativo é o que se vê, por que o espanto ao saber que a média atual de durabilidade conjugal no Brasil é de sete anos? Como exigir que homens se interessem por mulheres que carecem de atributos físicos ou quando estes são vencidos pela idade?

Pena que ainda não inventaram botox para a alma. E nem cirurgia plástica para a subjetividade.


A compatibilidade entre fé e ciência. Entrevista com William Stoeger

Desde garoto, o astrofísico jesuíta William Stoeger tinha interesse pela natureza e pelas ciências. Junto dessa inclinação, some-se o fato de vários parentes seus estarem envolvidos com ciência e serem católicos devotos. Estava semeado o canteiro no qual floresceria sua trajetória de cientista e padre. “Nunca vi conflito algum nisso”, reiterou. Em sua opinião, quando bem compreendidas, ciência e fé não entram em conflito. O surgimento dessas arestas, assinalou, se deve a “uma compreensão errada de uma ou de outra”. Cientistas como Richard Dawkins, um dos expoentes dessa tendência, possuem uma concepção muito precária sobre o conceito de Deus, um “Deus muito pequeno”, alfineta Stoeger. “Se percebessem de que tipo de Deus bons teólogos estão falando, teriam que mudar sua crítica”. O cientista contou, também, mais detalhes sobre suas pesquisas em cosmologia, e disse ser esperançoso quanto ao futuro da humanidade, embora sejamos muito contraditórios enquanto seres humanos. Sabemos o que devemos fazer no que diz respeito à ética e à ecologia, mas tratamos as pessoas, natureza e outros organismos do universo como commodities, lamenta.

Stoeger é cientista do Grupo de Pesquisas do Observatório do Vaticano (VORG) e especialista em Cosmologia Teórica, Astrofísica de altas energias e estudos interdisciplinares relacionados com a ciência, a filosofia e a teologia. É doutor em Astrofísica pela Universidade de Cambridge desde 1979. Entre 1976 e 1979, foi pesquisador associado ao grupo de física gravitacional teórica da Universidade de Maryland, em College Park, Maryland. É membro da Sociedade Americana de Física, de Astronomia e da Sociedade Internacional de Relatividade Geral e Gravitação. Atualmente, leciona na Universidade do Arizona e na Universidade de São Francisco. É também membro do Conselho do Centro de Teologia e Ciências Naturais (CTNS). Entre outros, publicou As Leis da Natureza - Conhecimento humano e ação divina (São Paulo: Paulinas, 2002).

Confira a entrevista.

Onde você nasceu? Recebeu influências religiosas de sua família?

William Stoeger - Nasci no Sul da Califórnia, perto de Los Angeles, na cidade de Torrance. Cresci numa cidade vizinha chamada Redondo Beach, apenas a 10 km do aeroporto internacional de Los Angeles. Fui criado em uma família católica romana. Frequentei escolas católicas, tanto no fundamental quanto no colegial, e depois de terminá-lo, entrei na ordem jesuíta.

Como a sua história pessoal se reflete na sua vocação religiosa e científica?

William Stoeger - Sempre me interessei pela natureza e pelas ciências. Tive vários parentes, especialmente no lado da família da minha mãe, que eram muito envolvidos com ciência: em pesquisas agronômicas, geologia, engenharia e física espacial. Eram todos, além de cientistas, católicos devotos. Portanto eu nunca vi conflito algum nisso. Isso foi uma influência. Também na escola, especialmente no colegial, tive aulas com padres franciscanos que também tinham grande interesse em ciência.

E por que, especificamente, a tradição jesuíta interessou a você?

William Stoeger - Bem, eu acho que foi por causa das leituras que tive. Mesmo que eu tenha frequentado um colégio franciscano, conhecia alguns jesuítas. Há uma universidade jesuíta não muito longe de onde morei. Estudei um pouco lá durante o tempo de colegial.

Você leu Teilhard de Chardin?

William Stoeger - Não, eu não estudei Chardin, eu não o conhecia. Eu estudei matemática, aquilo que nos Estados Unidos chamamos de advanced placement mathematics. Quando estava no colégio estudei isso numa universidade jesuíta. Então eu decidi tentar estudar nela, e foi o que fiz.

Você disse que não vê conflito em ser cientista e padre. Então, como é ser padre e cientista ao mesmo tempo? Quais são os principais desafios? Existe alguma dificuldade?

William Stoeger - Bem, eu não penso que há dificuldades. Acredito que pode haver mal- entendidos. Particularmente, dentro das ordens religiosas, franciscanos ou dominicanos, ser padre é perfeitamente coerente com qualquer tipo de erudição ou atividade de pesquisa. E isso é certamente válido para a ordem jesuíta. Por exemplo, aqui na Unisinos, há jesuítas envolvidos principalmente na educação superior, e nos EUA é a mesma coisa. Eu acho que particularmente na tradição jesuíta existe essa ideia, uma ideia-chave, que é encontrar Deus em todas as coisas. Portanto, certamente, um dos principais lugares em que encontramos e até expandimos a nossa noção ou ideia de Deus é dentro das ciências naturais. Uma forma de ser padre é estar envolvido nestas coisas.

Este é o Ano Internacional da Astronomia. Quais foram as maiores descobertas desta ciência até o presente momento?

William Stoeger - Há muitíssimas! O Ano Internacional da Astronomia comemora as primeiras observações feitas com a utilização de um telescópio por Galileu em 1609. E certamente ele foi uma das principais pessoas que começaram com toda essa ideia de que as estrelas e os planetas não são substancialmente diferentes da Terra. Havia essa ideia, antes disso, de que as estrelas e os planetas eram tidos como imutáveis e feitos de uma substância completamente diferente da Terra e da Lua, e, por isso, não estavam realmente sujeitos à investigação científica. Mas ele começou a mostrar que os planetas e estrelas também estavam sujeitos à investigação e consistiam em matéria. Então ele conseguiu começar a demonstrar, juntamente com outras pessoas como Johannes Kepler , que os planetas e a Terra giram em torno do Sol, ao invés de vice-versa. E, é claro, temos Isaac Newton, que desenvolveu a teoria da gravidade. Mais recentemente, Einstein, claro, o trabalho que ele fez em mecânica quântica e na sua teoria gravitacional, que completa aquela. Depois vem, naturalmente, Darwin. Este também é o Ano de Darwin. E existem muitas outras descobertas também. Certamente, nos últimos vinte ou trinta anos, uma descoberta muito importante na astronomia e cosmologia foi a descoberta da radiação cósmica de fundo. A radiação de fundo é uma espécie de consequência do Big Bang. Então essa é uma descoberta fundamental.

Desde Galileu, quais aspectos melhoraram na relação entre ciência e religião?

William Stoeger - Eu acredito que houve muitas melhorias. Vejo que, de certa forma, Galileu estava à frente do seu tempo. Ele foi muito interessante, pois não achava que houvesse qualquer conflito entre ciência e religião. Já as pessoas que o criticavam achavam que sim. Elas viam alguns problemas entre a interpretação das Escrituras e o que as novas ciências estavam demonstrando. A ideia principal é de que, se compreendermos corretamente tanto a ciência quanto a fé, não há conflito. Na verdade, o surgimento de conflitos deve-se a uma compreensão errada de uma ou de outra. Por exemplo, se alguém entender errado o verdadeiro sentido dos primeiros capítulos de Gênesis, pode-se ver grandes conflitos, pode-se imaginar tremendos conflitos entre ciência e fé.

Caso interprete-se literalmente a Bíblia, não é mesmo?

William Stoeger - Literalmente, sim, se não percebermos que se trata de narrativas. Há profundas verdades naquelas narrativas, profundas verdades teológicas. Mas não há verdades científicas históricas nessas narrativas.

Ainda no tópico ciência e religião, o que o senhor pensa sobre o novo ateísmo com que alguns cientistas, como Dawkins, por exemplo, tentam combater o fundamentalismo da religião, utilizando outro fundamentalismo, baseado na razão?

William Stoeger - Esses tipos de argumentos infelizmente revelam uma falta de entendimento da parte de Dawkins ou outras pessoas. Geralmente apresentam uma versão de religião e uma versão do conceito de Deus que é muito precária. Se eles realmente lessem alguns dos principais teólogos, teriam percebido que entenderam errado o que a religião está realmente dizendo sobre Deus. O tipo de Deus que eles dizem que os crentes acreditam, é um Deus muito pequeno. Se percebessem de que tipo de Deus bons teólogos estão falando, teriam que mudar sua crítica. Eu acho que parte da crítica proveniente do ateísmo é perfeitamente justificável. Quero dizer, há vários tipos de Deus que eu também não acredito. Se alguém se diz ateu, uma pergunta que se deve fazer sempre é: em qual Deus você não acredita? Provavelmente muitos fiéis também não acreditam naquele tipo de Deus. Essa é a questão: O que é Deus? Ou: Quem é Deus? É muito importante que Deus seja um Deus muito grande, mas também um Deus ... com significado pessoal.

Professor, o que especificamente o senhor está pesquisando agora?

William Stoeger - Tenho duas grandes áreas em pesquisa. Eu pesquiso na área das ciências propriamente ditas, e faço algumas pesquisas interdisciplinares também. Minha pesquisa na área das ciências é basicamente em cosmologia, sobre o comportamento e a história do universo como um objeto específico de estudo. Portanto, essa é uma das pesquisas significantes que faço aqui, também com alguns cientistas do Brasil. No Rio, há dois cosmólogos brasileiros com quem trabalho no desenvolvimento de formas específicas de testar modelos do universo, usando observação astronômica. Isso envolve resolver, com esmero nos detalhes, as consequências observacionais de certos modelos de universo e dizer aos astrônomos quais observações fazer para testar esses modelos. E outro tipo de coisa em que tenho estado envolvido é verificar os limites das observações. Então estas são algumas das coisas em que tenho trabalhado. Entre elas, uma questão com a qual estou envolvido é o trabalho sobre energia escura. Energia escura é esse tipo de energia muito misteriosa que parece estar acelerando o universo.

A matéria escura também é um mistério, mas, na verdade, é matéria que se aglomera e forma halos em volta das galáxias; não a podemos ver, mas sabemos que está lá. A energia escura também é chamada de energia do vácuo. E isso é algo que provavelmente não tende a se aglomerar, que provavelmente está distribuída por igual pelo universo, e a evidência é de que ela faz com que a expansão do universo se acelere. Sem ela, a expansão do universo seria desacelerada, ficaria mais lenta. E nós pensamos que está acelerando. A única forma de explicar isso é com a energia escura. Escrevi um artigo que foi publicado há um ano, juntamente com um dos meus colegas brasileiros, sobre uma das formas para se determinar a quantidade de energia escura no universo.

Quem são estas pessoas que trabalham com o senhor aqui no Brasil?

William Stoeger - Ambos são da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, na Ilha do Fundão. Um deles é o Marcelo Evangelista de Araújo e o outro é Marcelo Ribeiro. Estes são os dois com quem trabalho.

Professor, minha próxima pergunta é bem especifica sobre ética. O senhor tem esperança em relação ao nosso futuro como humanidade, quanto ao comportamento que temos com a ética e o meio ambiente?

William Stoeger - Eu tenho esperança no futuro da humanidade. Mas nós, seres humanos, somos muito estranhos. Somos autocontraditórios no sentido de que, às vezes, temos ideais elevados, mas em várias oportunidades nos comportamos de forma contrária a estes ideais, e contrária aos nossos melhores interesses. Algumas vezes, temos uma noção geral do nosso futuro, mas frequentemente agimos contra isso. Na verdade, tenho esperança, mas essa esperança depende de agirmos mais racionalmente, com muito mais respeito e reverência para com a criação e outras pessoas. Isso porque, frequentemente, tratamos as outras pessoas, a natureza e os outros organismos do universo, simplesmente, como commodities.

Como objetos?

William Stoeger – Sim, como objetos, para nosso próprio uso. E vemos isso o tempo inteiro. Até mesmo na prática empregatícia, ao tratar os empregados. Não os tratamos como indivíduos, mas como mercadoria. Este é um aspecto que sempre haverá, mas, enquanto isso for uma prioridade, enquanto essa for a principal maneira que lidamos com as coisas, então não estaremos agindo eticamente.


Fonte: Unisnos

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

DAS UTOPIAS
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!

Mário Quintana

Canção das mulheres

Lya Luft

Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.

Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.

Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.

Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.

Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.

Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.

Que o outro sinta quanto me dóia idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco - em lugar de voltar logo à sua vida.

Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ''Olha que estou tendo muita paciência com você!''

Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.

Que se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.

Que o outro não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.

Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa - uma mulher.